Luis 17/11/2013
Para aproveitar o filão.
Amigos leitores não se enganem. Literatura (ficção ou não) é arte, mas o mundo editorial segue a lógica implacável do mercado.
Em 2004, um dos grandes destaques das listas dos mais vendidos foi o livro que retratava a trajetória de João Guilherme Estrela no mundo das drogas. “Meu nome não é de Johnny” aplica uma narrativa de thriller à uma história já por si só espetacular, valorizada pela cancha de Guilherme Fiúza, alçado ao posto de autor astro graças ao sucesso da obra. A bem sucedida adaptação cinematográfica dirigida por Mauro Lima e estrelada por Selton Mello (2008) só realçou o caráter de projeto comercialmente vitorioso : livros que partem de uma “história real”, escritos em ritmo jornalístico vertiginoso e já prontos para uma adaptação às telas. Era natural que outras editoras apostassem no filão.
“Memórias do Submundo” é uma dessas iniciativas. À exemplo de João Guilherme Estrela, o jovem alemão Rodger Klinger é seduzido pela cocaína durante suas férias de sonho no Brasil : mulheres, praia e noitadas sem fim. Após meses nessa rotina, Klinger retorna à Alemanha e retoma a sua vida de simples cozinheiro com um único objetivo, retornar o quanto antes ao Brasil para mais uma temporada de delícias. Após a sua segunda visita, passa a arquitetar um plano mais ambicioso, diante da relativa facilidade de acesso à droga no país, consideravelmente mais barata que na Europa, Klinger, já em contato intenso com traficantes locais, resolve que em sua próxima vinda, além da diversão também aproveitaria para iniciar uma nova e promissora carreira, a de traficante internacional. Trabalha arduamente e junta o dinheiro necessário para a compra e um quilo de cocaína a ser levado para a Alemanha e revendido a peso de ouro. É preso no Galeão, precisamente na véspera do natal de 1984.
A partir daí, o autor desfia suas memórias por várias prisões e presídios cariocas, durantes os quase 4 anos em que ficou encarcerado, detalhando aspectos por vezes cruelmente chocantes, embora por demais conhecidos ( a ética prisional, que abomina delatores e criminosos sexuais, a guerra de facções, o amplo comércio de drogas e sexo atrás das grades, a relação ambígua entre detentos, funcionários e policiais, etc) e outros até certo ponto surpreendentes, com perfis de personagens exóticos e (quase) inverossímeis.
Por sinal, é esse o aspecto que incomoda em “Memórias do Submundo”.
Embora em certas passagens seja empolgante como um competente best seller, fazendo com que as páginas sejam viradas em alta rotação, toda a obra parece artificialmente construída para agradar aos apreciadores desse tipo de literatura e, sintomaticamente, arquitetada de forma clara para uma adaptação áudio visual. Quase como se Rodger Klinger ao mesmo tempo em que estivesse escrevendo as suas memórias, consultasse a todo instante uma espécie de manual ou guia. Em suma, uma receita de bolo.
Essa sensação é clara quando, por exemplo, o autor narra a tentativa de fuga do Galpão da Quina da Boa Vista, os diálogos sobre a realidade brasileira com o amigo detento Nelson, a sua atuação “heroica” em um campeonato de futebol na Lemos de Brito, e até mesmo, o episódio final, quando em uma coincidência pra lá de suspeita, ao sair da cadeia e voltar em definitivo para a Alemanha, Klinger reencontra no posto de conferência das bagagens, o mesmíssimo funcionário que descobriu a sua carga anos antes e desencadeou toda a aventura. Não quero pôr em dúvida a boa fé da obra, mas é pouquíssimo provável que esses fatos tenham realmente acontecido, pelo menos da forma como foram escritos. Parece mais uma clara tentativa de tornar o livro “atraente” ao leitor médio. Infelizmente , isso só o enfraquece, concedendo-lhe uma aura comercialmente rasteira.
Apesar dessas considerações, “Memórias do Submundo” pode ser uma leitura relativamente rápida e interessante, sobretudo para leitores que procuram (legitimamente, diga-se de passagem) uma obra que os ocupe por algumas horas, sem maiores exigências. Fórmula de um bom best seller.