Stella F.. 28/02/2023
Muito louco!
Ruído Branco
Don DeLillo - 1985 / 320 páginas – Schwarcz
Ruído Branco é um livro que achei bastante louco, mas que aos pouquinhos fui me acostumando e entendendo um pouco do sentido no caos que encontramos nele.
Temos a apresentação de uma família grande, composta de membros de outros casamentos, mas que em meio à uma bagunça organizada, se entendem e convivem bem, cada um com suas peculiaridades. Todos falando ao mesmo tempo, conversas atravessadas, algumas manias, mas uma família que funciona.
Jack, o patriarca, é professor na universidade de uma cadeira no mínimo exótica, o Hitlerismo. Ele investiga e mostra aos alunos tudo que envolve Hitler: imagens, estudos, mãe, cachorro, últimos dias. Mas, o que não sabem sobre ele, é que não entende alemão. É um ótimo orador, faz um bom teatro.
Babette, a matriarca, sempre está às voltas com subir e descer as escadas do ginásio, ler notícias escabrosas para um senhor, dar aulas de postura para idosos, alfabetizar adultos, ler para pessoas cegas e cuidar do filho menor, Wilder, ainda uma criança que ela admira e deseja que continue do jeito que é, não cresça e mude. Seria o que teriam de mais estável.
Os filhos deles e de outros casamentos são: Denise de 11 anos é uma garota durona e observadora; Steffie, uma menina mais sensível, predisposta a sofrer a dor dos outros; Enrich, que questiona o pai sobre todos os assuntos, joga xadrez com um presidiário online, um garoto tímido, mas que mais para frente se tornará quase um líder. Além dos filhos que esporadicamente vivem em outras cidades com esposas ou maridos de outros casamentos.
Outra figura preponderante no livro é o professor Murray, amigo de Jack, um tipo que filosofa o tempo todo e é especialista em ícones, como Elvis, e tem como exemplo o Hitler de Jack. Faz estudos aleatórios por conta própria, no mercado, na família de Jack, está sempre criando alguma teoria.
Todos se encontram no supermercado, o grande protagonista, onde tudo acontece. Os hábitos das pessoas são questionados, são observados, o que comem, que tipo de comida comem, que tipo de embalagens são as preferidas e as grandes discussões e encontros entre vizinhos ocorrem nesse ambiente que parece um parque de diversões. "É a nova austeridade - disse ele. - Embalagens sem sabor. Isso me atrai. Me dá a impressão de que estou não apenas economizando dinheiro como também contribuindo pra uma espécie de consenso espiritual. É como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Tudo branco. As cores vivas vão pro esforço de guerra." (posição 251)"
“Tive a sensação de que eu e Babette, no meio daquele volume e variedade de compras, da abundância que aquelas sacolas cheias conotavam, peso, tamanho e número, os rótulos tão conhecidos, as letras de cores vivas, os tamanhos imensos das embalagens, os pacotes com descontos proclamados em tinta fosforescente, com a sensação de renovação que sentíamos, de bem-estar, segurança e contentamento, induzida por esses produtos sendo levados para um lar confortável em nossas almas – tive a sensação de que havíamos atingido uma plenitude existencial que desconhecem aqueles que precisam de menos, esperam menos, que organizam a vida em torno de solitárias caminhadas ao entardecer.” (posição 285)
Outro protagonista é a televisão. Na primeira parte, Ondas e Radiações, sabemos que ouvimos o ruído branco o tempo todo, um barulho repetitivo, como o som da TV, o som do tráfego, algo que nem nos damos conta de ouvir, mas que faz parte do nosso cotidiano. Muitos dos encontros de família e suas conversas importantes são feitas na frente da televisão, um membro da família, uma superexposição. “Ela aparentemente acreditava que, se as crianças assistissem à tevê uma noite por semana junto com os pais ou os pais postiços, isto teria o efeito de tornar a televisão menos glamourosa, transformá-la num saudável passatempo familiar. Assim, gradualmente, seria reduzido o poder narcotizante, funesto, mórbido e burrificante da telinha.” (posição 218)
Ao entrarmos na segunda parte, A Formação da Nuvem Tóxica, o texto ganha uma agilidade e torna-se mais interessante. Uma catástrofe abate-se sobre a cidade. Uma nuvem negra, de Niodene D, uma mistura de produtos químicos paira sobre a cidade e todos têm que sair de suas casas e ir para um acampamento. Os vizinhos se encontram, e o filho de Jack, Enrich, transforma-se em um garoto extrovertido, falante, explicando a todos o que está acontecendo. Muito inteligente e com sérias perguntas ao pai. O que realmente sabemos? Se precisássemos usar os nossos conhecimentos em um mundo mais antigo, como a Idade Média, saberíamos? Na teoria sabemos muito, e na prática?
Jack fica preocupado porque ao sair do carro para pegar gasolina, teve uma exposição mínima à nuvem negra, e vai procurar saber os efeitos. O técnico que estava atendendo as pessoas no acampamento, explicando a ele os efeitos da exposição, diz muito e nada, porque ainda são dados hipotéticos que estão no computador, ainda em estudo, e não preparados para um evento tão real, um programa de computador ainda em simulação. O técnico fala para o Jack que ele está em contato com a morte, mas não há como prever quando vai morrer, pode ser daqui há 30 anos. E os filhos do Jack vão “tendo” todos os sintomas listados no rádio e televisão. "Essas coisas só acontecem com gente pobre, que vive em áreas mais vulneráveis. A sociedade é organizada de tal forma que são as pessoas pobres e sem instrução que mais sofrem o impacto dos desastres naturais e dos causados pelo homem. [..] Eu sou professor universitário. Você já viu um professor universitário descendo de barco a rua onde mora, numa dessas inundações que aparecem na tevê?" (posição1805). E um dia, são liberados para voltar às suas vidas “normais”.
Na terceira parte, Dylarama, vemos o medo da morte do Jack aumentar, apesar de ele e Babette sempre discutirem quem morreria primeiro e quem sofreria mais. Jack consulta agora o médico regularmente, sem dizer o porquê. Ocorrem várias simulações na cidade caso ocorram futuros eventos, e a filha Steffie de 9 anos participa voluntariamente.
Desde o início a Denise e o Jack observaram Babette engolir umas pílulas e ela tentava enganar a todos, dizendo que era bala. Mas a filha, observadora, como um detetive, descobre os comprimidos e cobra ao pai uma resposta. Jack leva o comprimido à uma especialista da universidade, e descobrem que é um comprimido de última geração, mas que não está no mercado, deve estar ainda em teste. Questionada, Babette, vai contar ao Jack sobre o comprimido Dylar e como o obteve. Jack vai finalmente descobrir que a esposa entrou em um projeto de experimentação com a condição de transar com o encarregado do projeto. A justificativa é que ela possui um pensamento obsessivo pela morte, e que como não conseguia melhorar atendeu a um anúncio do jornal. Resolveu arriscar. Mas o remédio não a fez melhorar. Ele fica estarrecido e resolve contar sobre a sua suposta morte e sua exposição à nuvem tóxica. Apesar dos problemas familiares, tudo na universidade continua na mesma. Os professores, homens feitos, falando de suas vidas infantis.
No penúltimo capítulo temos muita ação. Jack vai atrás do suposto Sr. Gray, cientista do Dylar. O descobre em um motel no Bairro Alemão em Iron City. Sai de casa com o plano de matá-lo. E vai repetindo exaustivamente cada etapa do plano: como vai matá-lo, tirar as impressões da arma, simular um suicídio do indivíduo e outros detalhes. Chegando lá, vê um homem completamente maluco, ingerindo Dylar o tempo todo, falando coisas desconexas, e resolve falar algumas palavras que poderiam trazer medo ao cientista que fica se arrastando pelo chão. Então Jack resolve dar um tiro, mas tudo muda, e os dois acabam vivos em um hospital.
No hospital ao ser atendido por freiras alemãs, ele as questiona sobre fé. Elas o decepcionam dizendo que é necessário que achem que elas acreditam em todos esses elementos presentes na religião, para o mundo não acabar. Elas acreditando, as pessoas podem não acreditar.
Gostei bastante depois que me acostumei com a escrita marcando muitas passagens e reflexões importantes sobre consumismo, violência, família, religião, televisão, paranoia, medo da morte, morte, enfim, muitos assuntos pertinentes até os dias de hoje.
Assisti ao filme, e achei bastante fiel, apenas modificando o encontro com o médico no motel, em que no livro Babette não está presente, e no filme sim. Adorei a ambientação, parecia bem os filmes da década de 1980 e a coreografia no supermercado, depois de ficarem estarrecidos com a mudança nas prateleiras. E tudo volta ao normal na família, depois dos sérios acontecimentos no motel. Senti bem mais o caos familiar no audiovisual.
Diferente!