Exusiaco 17/06/2011
A busca da lucidez
Mark Twain escreveu esse libelo corrosivo contra Deus e a Igreja, produtos absurdos da mente humana em sua eterna enfermidade.
Criado em uma sociedade extremamente puritana e religiosa, Twain , num acerto de contas, produziu essa vendeta literária. Ele fustiga, com exemplos históricos, um Deus que subjuga cruelmente a humanidade e os outros seres vivos, a começar com o pecado original em que , logo ao criar o ser humano, no caso Adão, este é advertido que será penalizado com a morte e expulsão do paraíso se comer o fruto proibido. Com a experiência de uma criança de dois anos, ele não resiste à tentação e come o fruto. A punição se estende não só a ele, mas a toda a humanidade que se segue. Outros exemplos do proceder divino são questionados, como a indiferença e a amoralidade perante a humanidade. No que tange às práticas religiosas, Twain é contundente ao sugerir que qualquer Deus veria com asco e desprezo as repetidas rezas e devoções feitas pelos fiéis. As críticas se movem para outros aspectos religiosos cristãos e a Bíblia também não escapa de suas fulminantes observações.
Vejo que a humanidade sempre precisou e precisará de mitos para dar sentido e tentar compreender a vida e a natureza. O mito do pecado original e muitos outros não fogem à regra. Os mitos também têm a função de tornar a sociedade mais coesa e menos conflitante e caótica. Twain não atentou para este fator. Dostoievski em “Os Irmãos Karamazov” indicou que o ser humano não sabe o que fazer quando se depara com a liberdade, pois sua ação pode deveras se efetuar de modo violento e descontrolado por não se ter preparo para dar vazão aos seus instintos. O homem precisa então, ser tutelado ou constrangido por ordens e doutrinas religiosas para que seus ânimos se abrandem. Mas o efeito pode ser contrário quando surge o fanatismo. O tema é bastante nebuloso e, para tal, Twain incentiva o agnosticismo como a melhor forma de encará-lo.
Como vivia em uma sociedade muito puritana, Twain não queria confusão com a opinião pública e determinou que a obra só fosse publicada em 2406. Eu noto nisso uma estratégia para que, após sua morte, a igreja e outras instituições interessadas não desvirtuem seu pensamento anti-religioso. Já houve exemplos em que tentaram enfraquecer obras de grandes iconoclastas, como Rimbaud e Baudelaire, detratando-os ao dizer que se converteram em seus leitos de morte. Fazem isso para que tudo o que escreveram perca a força incendiária e fique menos ameaçador para essas ordens e doutrinas religiosas.