Bruno 05/04/2014Não conheço muito de fantasia brasileira. A princípio, meu contato com obras nacionais de ficção especulativa e fantasia no geral se deu apenas com as mais populares, que não me apeteceram. Mas eu tenho interesse em conhecer uma outra abordagem do gênero, e, procurando em outro ramo de fantasia (a urbana), resolvi ir com Eric Novello e seu
Neon Azul.
Minhas expectativas foram superadas. Já esperava, por certo contato com o autor, algo diferente do que eu estava acostumado a ler no cenário brasileiro, e o encontrei: uma obra menos derivativa e algo não apenas mais interessante, mas também bastante característico. A voz da narrativa é apropriada para o estilo urbano & dark (ou, talvez, de maneira mais específicica:
noir) que é a ambientação pretendida. Ao mesmo tempo, é uma narrativa sombria, mas também ligeiramente bem humorada, com um passo rápido, que remete ao ambiente metropolitano no qual a história se ambienta. Se as histórias tem o seu estilo apropriado, Eric Novello conseguiu encaixar perfeitamente sua temática ao seu estilo.
O Neon Azul é um lugar diferente. Uma fachada brilhando em azul nos leva a uma escadaria espelhada, muitas vezes comparada à que leva as pessoas ao paraíso. E em um clima quase onírico de bebidas estranhas, clientela seleta e um proprietário misterioso, as noites se passam dentro do inferninho carioca. Uma propriedade quase onírica, de desejos e tentações, permeia todo o ambiente, e se tem a impressão de que tudo, dentro daquele bar (boate?), pode acontecer.
Acompanhamos diferentes personagens em uma história dividida em dez contos. Ou dez histórias reunidas em um volume. Fica meio difícil de se descobrir, já que todas as histórias tem seus personagens recorrentes, da clientela e equipe do Neon Azul, e acabam se entrelaçando em uma hora ou outra. O elenco que vai e volta, com alguns personagens secundários tornando-se, depois, protagonistas, e vice-versa, e sem uma cronologia fortemente reforçada, dá a impressão que podemos ler seus contos em qualquer ordem, sem perder muito do efeito que o livro deve causar. Ainda assim, parece essencial que se leiam todos, para compreender um pouco mais deste lugar no qual estamos inseridos. Esta característica estrutural, esta escolha narrativa, reforça uma impressão de verossimilhança: assim como na realidade, cada pessoa tem a sua história, cada "personagem secundário" que vemos no dia-a-dia, toda uma vida que carrega, com dilemas, problemas, felicidades, e amores. Mesmo os personagens que não tiveram seu conto próprio, seu mergulho mental, dão a impressão de que, sim, eles também podem ter algo para contar. E, ao passar para a próxima história, fica a questão, que dura alguns segundos: quem eu verei agora?
Passeata-03 A obra é um livro de fantasia urbana, mas nem por isso a fantasia é explícita, ou, de alguma forma, totalmente fantasiosa. Uma aura mesclada de sonho e mistério cobrem a magia, deixando-nos sem saber se os acontecimentos bizarros que acontecem são frutos de um poder acima de todos, ou talvez de boas conexões, fumaça, espelhos, e loucura. A magia toma segundo plano frente aos dilemas que sofrem os protagonistas de cada conto, seus problemas pessoais, profissionais, amorosos... E, no final, não se explicam os grandes mistérios. Quem é o Homem, o proprietário do Neon Azul? O que é aquele lugar, afinal de contas? Por mais que eu saiba que provavelmente alguém se sentirá frustrado com estas dúvidas, não se perde nada com a falta de explicação, da mesma maneira que não se explica a magia no realismo mágico. Eles não são assim porque isso, ou porque aquilo. Eles simplesmente são.
Todos os contos (partes?) tem os seus elementos que chamam a atenção, mas destaco aqui o antipenúltimo, o meu favorito.
Só tinha que ser com você é a história da dançarina Jéssica, talvez a mais quebra-cabeça da história. Amnésia e um clímax que me deixou, no mínimo, bastante surpreso. Foi bastante esperto, mas não falo mais nada para não estragar possíveis surpresas.
No mais, é um livro que me surpreendeu de forma bastante positiva; ainda vou ver se leio A sombra no sol, do mesmo autor, que me recomendaram há pouquíssimo tempo. Os poucos contras que encontrei seriam algumas inconsistências de enredo (que nem lembro, mesmo, se tinha sido isso ou se eu apenas me confundi na leitura; precisaria re-checar), mas nada que prejudicasse a experiência de leitura. É refrescante ver uma fantasia escrita de maneira com a qual não fui muito acostumado pelo
mainstream.
site:
http://adlectorem.wordpress.com/2014/04/05/neon-azul/