Dri 10/04/2022
Comovente...
Como seria se sua liberdade deixasse de existir, seu corpo de lhe pertencer, se fosse tachado de animal irracional que só serve para o trabalho pesado, sem direito a descanso, com comida escassa e insalubre condições de sobrevivência? Se teus traços fossem marcados pelo ódio dos ricos, pelos vergões provocados, pelas feridas não cicatrizadas, pela privação do próprio querer?
Como as ondas do mar, entre idas e vindas, Allende nos transporta para a vida de Zarité; escrava como tantas outras antes e depois dela, nos mostrando sua força de espírito, sua doçura, sua fervorosa luta pela vida, suas dores, seus anseios e amores. Comprada e abusada por Valmorian, aos nove anos de idade, já lhe nutria no peito essa sã vontade de ver-se livre.
"Dance, dance, Zarité, porque escravo que dança é livre... Enquanto dança." - p. 9.
Através de Teté conhecemos a história do Haiti, quando ainda era denominado de colônia Saint-Domingue. Marcado pela violência, escravatura e pela produção de açúcar, foi o primeiro país latino-americano a se declarar independente.
A história dos personagens se passa justamente nessa transição. Os negros buscavam sua própria liberdade, exaustos da supremacia branca.
No meio de tanta dor, nascem amores proibidos, laços improváveis, que movem e transformam. Impossível não comover-se; ainda sim, a ficção não chega aos pés da cruel realidade. Algumas situações foram apaziguadas, como que para trazer um certo conforto, mesmo diante de tal cenário.
O realismo mágico fica por conta da religião crèole/vodu, pelas mágicas curativas de Tante Rosé e pelos espíritos dos mortos. Conforme o andamento da narrativa, vemos a mescla das outras culturas, olhares, idiomas. A miscigenação tão desprezada pelos de maior poder aquisitivo, acontece sem controle.
Termino o livro com a angústia de não ter um desfecho mais benigno, ainda que a autora tenha acalentado perspectivas futuras melhores, não teria como ser de outra forma, se assim o fosse, se distanciaria demais da realidade.
Os traços característicos de I.A. prevalecem e, confesso, cheguei a duvidar da grandeza desse livro, antes de lê-lo; os outros que li dela, foram baseados nas experiências de vida da própria autora, com conhecimento de causa. Cheguei a colocar em dúvida se, diante de uma visão tão diferente, ela conseguiria transmitir as informações com a mesma intensidade. Me enganei, e fico feliz por isso! Kkk É um contexto diferente do que ver algo do gênero escrito por quem realmente viveu, porém, ainda é surpreendente.