Jamyle Dionísio 13/01/2022
Um livro penumbroso
Mundos de Uma Noite Só, de Renata Belmonte, saiu da pilha de leituras. para a pilha de releituras. Um susto, esse livro! Susto porque surpreende por trás daquela capa discreta, logotipo de editora pequena, um selo de ?semi-finalista do prêmio Oceanos?, ah-mais-literatura-contemporânea-então-ok.
São diversos os narradores, mas talvez os diversos sejam Um Mesmo tropeçando nos mesmos lugares, repetindo-se, batendo o dedinho na mesma quina mais de uma vez. Primeiro a menina que vive com as duas mães e o fantasma do irmão, depois a avó paterna, o pai, a empregada dos Grimaldi. Gerações e histórias misturam-se, entrelaçam-se.
?Não se nasce mulher, torna-se.?, ensina Lágrima à filha, citando Simone de Beauvoir. Tornam-se, também, os personagens. Em quê? Transmutam-se, inacabados, indecisos, estupefatos diante do mistério que é viver.
Senti-o, o livro, Penumbroso, cheio de cochilos entremeados de silêncios e choros abafados. Como se sempre se passasse no crepúsculo, naquele instante em que o dia se apaga, mas as luzes elétricas ainda não se acenderam. Quando temos contato com nossos escuros humanos, mas ainda não sabemos como reagir. Como se as histórias acontecessem numa mesma casa grande, cheia de cômodos, e as pessoas vivessem na mesma casa sem saber que a compartilham. O leitor os persegue, esmera-se, aperta os olhos, mas não enxerga mais do que os vultos que passam, uma forma, uma cor, um tecido? e só mais à frente enxergará enfim a imagem maior do qual aquele pedaço faz parte.
A travessia pelo livro assemelha-se à travessia maior, a da vida: sem sempre clara, sem nota de rodapé explicativa, com detalhes que não se clareiam, mas nos quais pressentimos um portal, uma chave, um segredo importante. Há que se deixar levar, suportar as incompreensões da narrativa. Porque a travessia vale, e muito!
Obrigada, Renata Belmonte.
@chadepalavra