El astronauta de Bohemia

El astronauta de Bohemia Jaroslav Kalfar




Resenhas - El astronauta de Bohemia


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Henrique Fendrich 07/06/2021

Obra maravilhosa, em breve na Netflix
Julgando pelo título e pela capa, não esperava desse livro mais do que uma ficção científica descompromissada, boa de vez em quando para desanuviar os pensamentos. Entretanto, a ficção científica é apenas uma das dimensões desse livro e estou para dizer que sequer é a principal. Esse extraordinário romance me parece um curioso amálgama de ficção científica, existencialismo e painel histórico. Um dos principais personagens do livro não é uma pessoa, mas a própria República Tcheca (que abrangia a Boêmia, daí o título do livro).

A República Tcheca é um pais pequeno no meio da Europa que já viveu seus dias de glória no continente, influenciando ideias e revoluções, mas que passou por duros golpes no último século e se distanciou do seu protagonismo histórico. É justamente em uma tentativa de retomar o papel de destaque do país que os tchecos decidem investir na conquista espacial.

Surge uma misteriosa nuvem de poeira cósmica no meio da órbita entre Terra e Vênus, e com tal esplendor que muda o próprio cenário do céu noturno em nosso planeta. Em meio às tentativas para se entender em que exatamente consiste aquele negócio, os tchecos se sobressaem e conseguem apresentar um projeto de enviar um nave tripulada por lá.

O astronauta escolhido para a missão é Jakub Procházka. Em vez de se limitar a descrever a viagem em si, a trama se mescla à história pessoal de Jakub, filho de um homem responsável pela tortura de opositores durante o período comunista no país. Veio a Revolução de Veludo, o regime caiu e, subitamente, o pai de Jakub passou a estar do lado errado da história. A família passa a ser combatida, sobretudo depois que um torturado resolve voltar a aparecer.

A identidade tcheca do romance se manifesta também por meio de Jan Hus, o reformador religioso (um século antes de Lutero) e um dos principais nomes da história do país. Jan Hus é não apenas o nome da espaçonave que leva Jakub ao espaço, mas se pode dizer até que ele é um personagem do livro, tendo a sua história reconstruída pelo olhar do protagonista. Episódios da ocupação nazista da Tchecoslováquia também passam pelos olhos de Jakub.

Ao mesmo tempo, a viagem ao espaço prossegue e se torna bastante interessante na medida em que Jakub enxerga uma estranha criatura em sua espaçonave com a qual começa a interagir, não se sabendo se é tudo fruto da excitação de uma mente solitária ou se realmente se trata de um ser extraterrestre. A criatura recebe o nome de Hanuš, também aludindo a um personagem tcheco, e serve para promover diversas reflexões sobre a condição humana.

Na parte existencialista do livro, está Lenka, a esposa de Jakub, a que viu o marido ir ao espaço e, enquanto isso acontecia, percebeu que aquele casamento já não fazia o menor sentido. Lenka não queria ser a esposa de um símbolo, mas ter a sua própria vida, e é da boca dela que saem alguns dos melhores petardos filosóficos do livro.

Todos essas questões são conjugadas habilmente pelo autor, que consegue dar unidade à obra, ao mesmo tempo em que escreve capítulos de notável beleza e profundidade. Algumas pessoas enxergaram no autor indícios do universo de Murakami e de Kundera. Sobre esse último, parece-me até que o livro, na sua última página, fornece uma espécie de resposta ao questionamento que embasa a filosofia de "A insustentável leveza do ser".

Essa obra maravilhosa deve virar série de Netflix em breve. Quem sabe assim saia uma edição em português.
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