Aegla.Benevides 04/06/2022Seria injusto dizer que esse livro descreve apenas a amizade entre duas meninas crescendo nas Ilhas Canárias. Também seria igualmente injusto resumi-lo em um único sentimento, um único pensamento, uma única sensação. A verdade é que Andrea Abreu chega ao âmago de uma pré-adolescência caótica, pela qual todos nós já passamos, de forma surpreendentemente fácil, segura e verossímil, como se ali estivesse escrevendo mesmo um diário.
Ao longo das páginas, a instável e curiosa narradora, apelidada de Shit, garante boas risadas e sentimentos controversos a nós, leitores, com descrições marotas do relacionamento cotidiano com Isora, sua melhor amiga. Um dos pontos que mais me chamou atenção foi a descoberta da sexualidade, com esfrega-esfregas, secreções corporais e conversas danadas trocadas no chat do ?Méssinger? ? sim, os estrangeirismos são levados ao pé da letra pelas mãos da autora.
Mas nem só de uma linguagem real e sem filtro se constrói essa pequena grande história. Aqui, os sentimentos são tão crus e tão ácidos ? além dos opostos que surgem: o amor e o ódio, a inveja e a empatia, o ?querer bem? e ?querer longe? ? que convocam o leitor a reflexões inesperadas no meio de uma risada. Também as passagens sobre o clima e, sobretudo, sobre as nuvens e seu formato no céu, conferem ao enredo um tom cinza, pluvial, como se à espera de acontecimentos ruins.
A autora não peca na ambientação da cidade, com descrições cômicas e ousadas sobre os moradores, que também fazem parte da construção desse enredo singelo, mas potente - para quem se encanta por tramas desse tipo, outros bons livros dos quais lembrei ao encarar ?Pança de burro? foram ?A casa na Rua Mango?, de Sandra Cisneros, e ?se deus me chamar não vou?, de Mariana Salomão Carrara. Por fim, pra fechar com chave de ouro à la Andrea Abreu, o final dessa história não poderia ser diferente: é marcante como Shit e Isora nos fizeram esperar.