Richard.Capiotto 28/04/2023
Carolina é o existir e a audácia em fazê-lo.
Beira à insanidade eu, um simples leitor, resenhar uma obra de Carolina Maria de Jesus; ainda mais num contexto onde o que aqui vos fala se quer leu sua maior obra, Quarto de Despejo. Ainda assim, sigamos:
O texto de Carolina me arrebatou. Acredito que o tenha feito devido a tua autenticidade e coragem. Carolina, antes de ser, já era. A história do nosso país foi construída sobre sangue preto; sangue de mulheres pretas, mães. A cada página que se devora - porque sim, há de se consumir por completo a obra- somos pegos de surpresa (falo por mim) com a realidade de uma das maiores autoras brasileiras, já naquela época, passando por situações que definitivamente não seriam vividas caso o tom da sua pele fosse diferente.
As marcas da tua existência nos são palpáveis ao modo que consigo sentir a tua dor em diversos momentos. Fico imaginando como será a minha experiência com sua principal obra, mas sigamos.
O meu exemplar está todo grifado à lápis e rodeado de anotações feitas durante o processo de absorção.
A coragem e a força de Carolina em compelir a tua existência é inspiradora a níveis inimagináveis.
O fato de uma mulher, preta, mãe solteira e ainda escritora, ter o seu espaço lá na década de 1960, deve ter desestruturado boa parte da população (elitista) brasileira da época, uma vez que o nosso país é composto por preconceitos enraizados em sua essência. Há inclusive, dezenas de relatos durante a obra que nos explicitam as barbaridades que a autora presenciou e viveu. Penso e me revolto ao ver como mesmo sendo reconhecida e admirada por ser quem é e pela importância que já carregava à época, Carolina, ao olhos de alguns, não passava ainda de uma pobre preta favelada.
Em determinado trecho, uma mulher da alta sociedade se surpreende ao ver que a autora (que está nos relatando as viagens, entrevistas, sessões de autógrafos que fazia no período) sabe comer com garfo e faca! Na página em questão até escrevo ?ué, e favelado não é gente?? e é basicamente isso que nós é mostrado! Carolina mesmo sendo quem é (uso o presente porque ainda vive SIM e vocês sabem) continua passando por essas situações de julgamento. Ingenuidade a minha acreditar que seria diferente, sei disso.
As marcas da oralidade enriquecem o texto de uma forma singular. Entendam, não há romantização alguma aqui da tua história de vida que sabemos que foi cruel até o fim! A tua escrita é ?uma advertência social? não é mesmo?
Ela consegue ser poética, existencialista e alcança uma profundidade tão intensa, que nos arrebata.
Segue como exemplo o que diz na pág 74 : ? trabalhamos tanto para viver? e a vida nunca fica completa?. Extremamente inteligente, coesa e humana; porque há momentos de contradições em teu modo de ver e pensar o mundo.
Carolina não é só o teu modo de escrita; Carolina é o pensamento, é a consciência. Carolina é o existir e a audácia de fazê-lo.
Viva Carolina Maria de Jesus!