O mágico

O mágico Colm Tóibín




Resenhas -


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jota 27/04/2024

MUITO BOM: uma família de artistas, um artista maior retratado ficcionalmente, suas obras e personagens marcantes, nazismo, homoafetividade, suicídios, drogas etc.
O escritor irlandês Colm Tóibín se propôs a fazer em O Mágico um retrato ficcional de Thomas Mann (1875-1955), não uma biografia, e assim tornou possível ao leitor comum conhecer a vida e (parte da) obra do grande autor alemão como se estivesse lendo um grande romance. Pode ser que esse leitor se interesse pelas obras de Mann, passe a lê-las já que ele é um dos maiores escritores do século XX. O livro também é útil para quem aprecia ir além da ficção, conhecer um pouco melhor quem escreve os livros que lê, meu caso, por exemplo.

Penso que Tóibín, de certo modo tentou, com O Mágico (o título vem de uma brincadeira que Mann fazia com as mãos, uma “mágica” simples que encantava seus filhos e netos), escrever o seu Os Buddenbrook (1901), a narrativa da decadência de uma família de comerciantes de Lubeck (terra natal de Thomas Mann), que tem muito a ver com o próprio Mann e seus familiares, coisa que já sabíamos antes. Toíbín substituiu os comerciantes pelos escritores e outros artistas da família Mann e temos então O Mágico.

Obra povoada por gênios artísticos, mas também por suicidas, viciados e outros seres que não se ajustavam devidamente nos papeis sexuais de homem e mulher, como a sociedade exigia na época em que os Mann viveram: falo dos filhos de Thomas, Klaus (autor de Mefisto, 1936) assumidamente homossexual e Erika, que se casou com o poeta W. H. Auden, apenas para se tornar cidadã inglesa e assim se proteger dos nazistas.

Para complicar as coisas um pouco mais, o nazismo então se consolidou na Alemanha a partir de 1933 e colocou a vida de muitos alemães em perigo, mesmo que não fossem judeus, bastava ser escritor ou praticar outra arte que não fosse vista pelos mandatários como nacional socialista. De início Mann combateu essa ideologia um tanto timidamente, como pensavam Klaus e Erika, também o irmão dele, Heinrick (o autor de O Anjo Azul, 1928), no intuito de, em parte, proteger a família de sua mulher Katia Pringsheim Mann (1883-1980), que descendia de judeus.

Depois, quando nazistas passaram a queimar livros e mostrar mais escancaradamente a que tinham vindo (perseguir e exterminar judeus europeus, homossexuais, ciganos e outras minorias), começou a criticar mais acentuadamente Hitler e o regime, precisou se exilar e viveu em diversos países, principalmente nos Estados Unidos. Morreu na Suíça, dez anos após o final da Segunda Guerra Mundial, a segunda também dele (tinha 43 anos em 1918, ao final da Primeira Grande Guerra). Após a guerra recusou-se a visitar seu país natal diversas vezes, mas depois acabou indo tanto na Alemanha Ocidental quanto na Oriental, nesta para visitar Weimar, onde Goethe (1749-1832) viveu, escritor que admirava imensamente.

Também tem a história da mãe dele, Julia da Silva Bruns, depois Mann, que foi para a Alemanha com apenas sete anos, nascida em Paraty e suas recordações de nossa terra. Que Mann nunca visitou, nem mesmo mencionou alguma vez em seus livros, que se saiba. Com tudo isso e muito mais, Colm Tóibín, romancista experimentado, conseguiu fazer de O Mágico uma obra tão interessante quanto Os Buddenbrook? Pode ser que sim em muitos trechos, mas não no livro todo, que inclui passagens e diálogos que, penso, não acrescentam muita coisa à vida e obra de Mann. Lembro que o talentoso alemão escreveu Os Buddenbrook quanto tinha apenas 26 anos, e foi com ele que ganhou o Nobel de Literatura de 1929.

De todo modo, O Mágico tem várias qualidades, uma delas destacada pela Companhia das Letras em sua sinopse, que afirma ser este “Um romance generoso e sensível que reflete as inquietudes e as instabilidades do século XX.” De fato, dá para sentir muito bem o que era ser escritor ou intelectual vivendo na Alemanha sob a constante ameaça de ideias fascistas, depois traduzidas em violência e morte. Nesse ponto, destaque para a relação de Mann com o presidente americano Theodore Roosevelt Jr. (1887-1944), mas principalmente com Eleanor, sua mulher.

Aqui e ali, Cóibín lembra da homoafetividade que envolveu Mann em diversos episódios de sua vida, e que ficcionalmente resultou numa de suas obras-primas, A Morte em Veneza (1912), assim como em uma novela anterior, Tonio Kröger (1903). A gênese desses livros é detalhada com muitas informações durante a narrativa, assim como ocorre com a doença de Katia Mann e o consequente tratamento dela em Davos, Suíça, que lhe forneceram material para outra obra-prima, A Montanha Mágica (1924). Segundo Cóibín era o livro pelo qual Mann gostaria de ter recebido o Nobel, mais do que por Os Buddenbrook. E Hans Castorp, personagem central da obra, seria a versão masculina de Katia, como ela mesma reconhecia.

Outro livro tratado por Tóibín é Confissões do Impostor Felix Krull, originalmente lançado em 1922, sobre um charmoso trapaceiro, esse do título, um personagem que Mann amava porque era leve, “[...] da mesma forma que amara Adrian Leverkühn, e como também amara Tony Buddenbrook e o jovem Hanno.” Hanno é outro personagem de Os Buddenbrook, que Mann escreveu inspirado em si mesmo quando jovem, enquanto Leverkühn serviu para ele contar sua versão do mito de Fausto, através de um músico retratado em Doutor Fausto (1947), mais uma obra-prima dele segundo a crítica.

No entanto, quase nada, apenas uma linha, é dita acerca da tetralogia José e Seus Irmãos, livros que me impactaram profundamente, tanto quanto Os Buddenbrook e A Montanha Mágica. Mas Mann deixou registrado em um texto de outro livro dele, Mario e o Mágico (novela de 1930), “Dezesseis Anos” (tempo que levou para finalizar os quatro volumes) o trabalho que teve para escrever o longo romance baseado na história de José do Antigo Testamento. O mesmo acorre com outras obras conhecidas dele, não mencionadas por Tóibín em momento algum, como O Eleito (1951) e mesmo Carlota em Weimar (1939).

Existe outro livro muito interessante sobre Thomas Mann e seus familiares, que Tóibín não cita entre as dezenas de obras consultadas (gostaria de saber o motivo dessa exclusão) escrito por uma conhecida psicanalista alemã, Marianne Krüll, Na Rede dos Magos: Uma outra história da família Mann (Nova Fronteira, RJ, 1997, 512 páginas), que tampouco é uma biografia do autor ou um estudo literário de suas obras.

Krüll preferiu fazer uma abordagem sociológica-familiar enfatizando, digamos assim, os podres da família Mann, suas histórias de adultérios, invejas, suicídios, incestos, brigas, ciúmes, drogas e homossexualidade. Coisas que a seu modo, como já citei, Tóibín também aborda em O Mágico. Para quem se interessa pela vida e obra de Thomas Mann vale a pena ler tanto o livro de Krüll quanto o de Tóibín. Meu caso, já que Mann é um dos autores que, depois de Philip Roth, mais li até hoje, cerca de quinze ou dezesseis volumes dos muitos que escreveu.

Lido entre 19 e 25 de abril de 2024.



Paulo Sousa 09/05/2024minha estante
fui feliz lendo ?o testamento de maria? e ?norah webster?. estou com o brooklin em algum lugar, pra uma futura - e põe futura nisso! - leitura ?.


jota 09/05/2024minha estante
Desses que vc citou do Tóibín só li o Brooklyn, depois de ver o filme homônimo. Achei tanto filme e livro ótimos.


Paulo Sousa 10/05/2024minha estante
os que citei (que li) são excelentes. ele tem uma escrita bem tocante.




Filipe 23/04/2024

Leitura perfeita do início ao fim. Não consigo pensar em nada que pudesse melhorar aqui. É uma alegria imensa esperar muito de um livro e ele entregar ainda mais. ?O Mágico? é uma biografia de Thomas Mann no formato de romance que prende o leitor do início ao fim.

Thomas Mann é um dos meus leitores favoritos, provavelmente atrás somente de Stefan Zweig, e sua vida foi ainda mais interessante do que as grandes obras que construiu. A escrita de Tóibín é paciente, cuidadosa e profunda. Senti neste livro que todas as escolhas foram muito acertadas, tanto nos temas a ter foco quanto no ritmo dos acontecimentos destacados.

A família Mann, com seus vários escritores e personalidades fortes, seria digna de um reality show 100 anos atrás. Não por escândalos e fofocas, que cumpriram importante papel, mas pelo quanto é possível nos identificarmos com essas almas torturadas pelo que enfrentaram. Os sentimentos aqui são comedidos, mas muito humanos.
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