spoiler visualizarde Paula 03/01/2023
Reflexão sobre nosso lugar no mundo
Eu adoro Dickens, mas, não sei se foi devido a minha última leitura que me deu ressaca, se a tradução não é boa, sinceramente, não sei, mas não foi uma leitura deliciosa como costuma ser quando eu falo do Machado britânico. Os sinos é um daqueles livros sobre espíritos oniscientes que guiam os protagonistas no caminho correto diante de desvios de caráter e dúvidas mundanas, muito semelhante ao Cantiga de Natal, só que não é tão bom. Aliás, Dickens para mim é como Machado em suas reflexões sobre a vida londrina, mas, o inglês vivia nas amarras da era vitoriana, então tudo o que escrevia tinha cunho religioso e guiava a moral para os caminhos cristãos e da virtude, o que não era uma necessidade do autor realista brasileiro.
Os sinos se passa na virada do ano, por isso a conexão com os espíritos natalinos de sua outra história, porém, com uma escrita meio sem pé nem cabeça, naquele estilo: no início não entendi nada e no final, parecia que estava no início. Acho que Dickens abre muitas possibilidades, mas não amarra essas ideias muito bem. A história tem um sentido, mas não sei se capta muitos leitores para finalizá-la, por isso, acho que não é efetiva.
O mensageiro Trotty trabalha em frente a igreja no último dia do ano, em meio ao frio londrino. Ele é um senhor de mais de 60 ano, que ganha a vida levando mensagens a trote, por isso o apelido para Toby, para se sustentar e a sua filha. Quem conhece a história da época de Dickens, sabe o quão miserável a Inglaterra industrial era, por isso, qual não é a surpresa quando sua filha, Meg, lhe traz um jantar! Ele come nos degraus da igreja, enquanto ouve encantado os sinos, que são o motivo dele trabalhar nas mediações, quando aparecem os riquinhos mal ajambrados da época, que criticam uma comida tão boa, que podia servir a outros com fome, no prato de um velho egoísta, enquanto a filha, tão bonita e louca por querer casar, enquanto seu noivo é um idiota por querer se prender tão jovem. Aqui a classe burguesa é representada com aquele requinte de maldade, soberba, altivo e "sabedoria", prontos a julgar e condenar os que pouco tem, como se fosse missão destes, não do governo feitos de homens vis como eles, responsáveis por atender os mais miseráveis. Isso cala fundo no Trotty, Meg e Richard. O juiz e vereador dá uma carta ao mensageiro e paga bem menos do que o justo, além de comer a comida do velho. A mensagem é levada em meio às reflexões contraditórias do Toby, entre entender o quão injusto foi os julgamento dos ricos, ao mesmo tempo que concorda que é um miserável. A mensagem é levada ao deputado. membro proeminente do parlamento (provavelmente um nobre) que fica se exaltando na frente do Trotty por ser ele o pai e amigo dos pobres, o único que os entende e só recebe maldade em retribuição! Quanta injustiça! A carta recebida do juiz se trata do julgamento de um desvalido que merece ser punido por querer trabalhar e receber por isso! Onde já se viu uma audácia dessas? Uma mensagem é escrita para o juiz e Trotty é interrogado se possui pendências para virar o ano. Ao contar sobre suas despesas miseráveis, é tratado como mal agradecido pelo deputado, que não paga pelo serviço. Ele corre levar a carta ao vereador juiz e se livrar de ter que vê-lo e ouvir mais julgamentos. Ao retornar para casa, andando distraído, se depara com um homem desesperado fugindo com uma criança no colo, descobre em alguns momentos de conversa que se trata do homem a ser condenado pelo deputado e pelo juiz e Trotty decide dar abrigo na sua casa, que é alugada e um estábulo. Meg cuida da criança e o pai do homem inocente. Prestes a pegar no sono, ouve os sinos o chamando e vai ao encontro deles, quando vê os espíritos que os regem e mostram o futuro, como se ele tivesse se matado nesta noute de ano novo. Ele vê a filha na miséria, solteira porque o juiz a convenceu de não casar. A menina que foi abrigada prostituída (claro, isso é bem sutil por se tratar de Dickens) e morta. O jovem Richard bêbado, pedido e doente. Meg trabalhando dia e noite, criando o bebê sem pai da mãe morta, a criança nos braços do homem infeliz, vítima do juiz. Vê também o mesmo homem que resgatou preso inúmeras vezes, um Jean Valjean que é preso por todo e qualquer motivo, enquanto o deputado faz uma enorme festa e o juiz já não condena com o mesmo afinco o banqueiro que se suicidou, como julgou o Trotty por jantar no ano novo, embora tenha dito que o pior crime era o suicídio. Os sinos, que tinham sido xingados mais cedo pelo seu mais fiel admirador, levam a mensagem de que os homens burgueses são hipócritas e que nossa felicidade não depende do julgamento alheio, que devemos sempre fazer o bem. Despertado do sonho, volta para casa e comemora o casamento de sua filha, pensando em todos os espíritos que vivem nos sinos regendo a humanidade.
Deixo a história contada para quem não entendeu o que o autor quis fazer e indico a leitura para quem deseja conhecer mais da obra do autor e ter um feliz ano novo. É uma leitura filosófica, a lá Jesus pregando sobre os ricos e o reino dos céus, além de críticas sociais contra uma burguesia que nada entendia sobre a vida dos trabalhadores