Paulo 26/12/2023
É por esses contos e histórias fascinantes que a ficção científica é sempre uma precursora de novas tecnologias. Seja a velocidade de dobra, o telefone celular ou a internet, todas surgiram na literatura a partir de mentes brilhantes como a de Stanley G. Weinbaum. Nesse conto, Weinbaum explora um óculos capaz de fazer uma pessoa enxergar outra realidade com a qual ele pode interagir, apesar de que as coisas que acontecem nessa realidade não são reais. São virtuais. Ou seja, Weinbaum criou, em 1935, o conceito de realidade virtual. E isso para explorar uma discussão que já vamos comentar logo abaixo. A genialidade disso salta aos olhos do leitor. Se formos parar para pensar em quantas décadas foram necessárias até surgir a tecnologia capaz de realmente realizar aquilo que Weinbaum descreve em sua história, nosso cérebro é capaz de fritar. Não tinhamos a tecnologia, mas o conceito já existia.
Weinbaum tem um tipo de escrita que não me agrada muito, mas é o fruto de uma época. Hoje qualquer manual de escrita criativa pede que o autor nunca comece uma história com um diálogo. Se torna mais fluido e lógico criar uma contextualização básica apenas para situar o leitor na ambientação da história. Onde? Quem? Como? Essas peguntas são essenciais para um bom começo de história. E em um conto, chega a ser mais importante ainda porque o espaço que o autor pode empregar é curto. Logo, ele precisa aproveitar ao máximo mesmo os primeiros momentos. O diálogo entre Dan e Ludwig é esquisito porque parece brotar do ar. Como eles chegaram ali? O que Dan estava fazendo antes? O que posso dizer a favor de Weinbaum é que ele nos entrega uma escrita bem fácil de ser compreendida. O conceito de realidade virtual que ele cria é bastante didático e ele não emprega jargões. Algumas descrições e uma narrativa mais sensorial conseguem entregar ao leitor o que ele precisa saber sobre o que está acontecendo.
A grande discussão aqui é sobre o que representa a realidade. Para Ludwig, cada indivíduo cria sua própria noção de realidade a partir do mundo com o qual ele interage. É uma noção bem livre a esse respeito. Já Dan possui uma opinião mais estreita porque, na visão dele, a realidade é o que é. É o que ele consegue enxergar com os cinco sentidos. Ludwig começa desafiando-o sobre o que aconteceria se ele fosse capaz de dobrar os sentidos e mudar o que ele vê, cheira, ouve, sente. Claro que Dan retruca usando aquilo que ele conhece sobre hipnotizadores, que é o que o conjunto de conhecimentos dele permite a ele deduzir. Quando Dan se vê em um local idílico, ele não consegue construir em palavras e descrever o que está observando. O que no começo vemos um personagem cético e buscando brechas naquilo que ele está vivenciando vai se tornando, pouco a pouco, uma vida dentro desse espaço artificial. Ao final, Dan se relaciona com o lugar e as pessoas com quem interage como se fosse o mundo material.
Podemos também trabalhar com a noção de que este mundo virtual, por ser algo criado, funciona a partir de regras rígidas. Até porque o mundo da natureza é algo que funciona a partir de suas leis também. Só que dentro desse espaço o controle sobre o que acontece ou deixa de acontecer é muito rígido. A ponto de haver uma previsão clara sobre passado, presente e futuro a partir do controle de um "administrador". Dan quer romper com essas regras, já que ele começa a se imaginar como parte dele. E esse desrespeito às regras desse mundo causa desespero no protagonista e em Galateia, a espécie de dríade com a qual ele se relaciona dentro desse estranho espaço. Mesmo sabendo que não pode tirar Galateia desse mundo e que sua existência nele tem dias contados, Dan insiste em ir contra o que foi estabelecido. É parte do ser humano imaginar ser capaz de contrariar as leis naturais. Posso até considerar o conjunto de normas como leis naturais, porque são leis para que esse mundo possa funcionar. Desejamos ser aqueles que estão acima delas, ou reescrevê-las para atender às nossas vontades. Mas, Dan rapidamente se dá conta de que isso não é possível. O final é meio permissivo com o personagem e achei a discussão entre o possível e o impossível bastante interessante. A frustração teria sido boa como um tema para reflexão. Mas, no fim, o conto consegue entregar bem suas propostas, apesar de alguns problemas como citei acima. Vale pela curiosidade de conhecer como Weinbaum imaginou uma realidade capaz de ser vista a partir de um óculos e quais semelhanças e diferenças suas ideias tem em relação ao que é a tecnologia de imersão nos dias de hoje.
site: www.ficcoeshumanas.com.br