bardo 24/11/2022
Ao ler essa trilogia aqui reunida em um único volume é inevitável traçar alguns paralelos com a obra de fantasia mais conhecida do autor, isto é As Crônicas de Nárnia. É inegável algumas semelhanças mas as obras por outro lado não poderiam ser mais diversas. Sim novamente Lewis recorre a fantasia ou mais especificamente a Sci-Fi para falar de Cristianismo, mas sem em Nárnia temos algumas imagens que desafiam a boa vontade e a inteligência do leitor de forma duvidosa, não é o que temos aqui. Lewis se referencia a eventos bíblicos, não é nem um pouco sútil, mas não faz como em Nárnia um copia e cola de passagens. O que menos temos aqui é o Lewis preguiçoso de Nárnia. Alguns vão dizer “ah mas Nárnia é um livro infantil”, sim é, mas isso não justifica preguiça descarada, ver o quão Lewis é capaz aqui faz com que Nárnia empalideça ainda mais. Isso não significa que seja uma trilogia perfeita ou homogênea e que não vá irritar alguns leitores. Exatamente por Lewis aqui não brincar em serviço não são livros fáceis, ele lança mão de ideias não tão óbvias.
Além do Planeta Silencioso - 📚📚📚
Primeiro volume da trilogia, Lewis nos apresenta seu mundo, uma Inglaterra Eduardiana que num primeiro momento não parece nem um pouco interessante. O livro começa num anticlimax e o personagem principal não é exatamente cativante inicialmente. Passado esse início insosso a história começa a andar, mas talvez o leitor tenha alguma dificuldade em acompanhar a imaginação de Lewis. A riqueza gráfica do que ele propõe é extremamente complexa e difícil de acompanhar. Em dado ponto seremos apresentados ao real tema e nesse momento alguns leitores vão torcer um pouco o nariz. Lewis deixa bem claro sobre o que ele está falando, mesmo para um leitor que nunca tenha lido a Bíblia. Ainda assim ao contrário de Nárnia é uma recriação interessante, Lewis tece várias ideias no mínimo intrigantes e põe o leitor pra pensar.
Perelandra - 📚📚📚
Se no primeiro volume Lewis tinha dado asas a imaginação, nesse ele se supera. O volume se inicia algum tempo após os acontecimentos do primeiro e quem narra é um novo personagem. Logo reencontramos o Dr Ransom e Lewis esclarece muita coisa que ficou em aberto no volume anterior. Ele trata de eliminar de vez qualquer dúvida que o leitor poderia ter sobre o assunto do livro. Não dá pra dizer que a carolice e a falta de sutileza de Lewis não incomodem um pouco. Entretanto, por mais que o tema tratado aqui não seja sutil, e por mais que se remeta a uma passagem conhecidíssima, Lewis consegue interessar o leitor. A despeito da forma da fala de uma personagem, e do embate já conhecido, Lewis consegue manter a tensão. Vale ainda dizer que Lewis cria imagens belíssimas e complexas, se Malacandra já pareceu um mundo extramente belo em sua selvageria, aqui Lewis se supera. A solução encontrada para o conflito aqui é no mínimo inesperada e não duvido que vá deixar alguns leitores bastante surpresos.
Aquela Fortaleza Medonha - 📚📚📚📚
Este é o volume que mais destoa dos anteriores em forma e inclusive como o autor deixa claro pode ser lido de forma independente. É dos três o mais Sci-Fi, mas é também talvez o mais ambicioso do ponto de vista da defesa de um pensamento. Se o leitor estava achando que Lewis estava pesando a mão com o Cristianismo, aqui ele lança a sutileza as favas. Ao mesmo tempo o “pregador” Lewis é tudo menos limitado, sua visão de espiritual (pelo menos a retratada aqui) tem nuances até ecumênicas. Se por um lado existe a defesa de princípios éticos e morais muito definidos. Existe uma crítica a ciência pela ciência, sem dúvida, mas Lewis bate na religiosidade vazia e dogmática também sem dó. O ponto que talvez vá mais incomodar o leitor é que à semelhança do volume anterior, Lewis defende uma ideia de relacionamento entre os gêneros que alguns vão considerar utópica e antiquada. Aqui é preciso ter em mente que Lewis defende um ponto de vista cristão e também o contexto de sua época. Ainda assim, a despeito dessa ideal de casamento quase alienígena para os dias de hoje, as personagens femininas aqui são tudo menos tolas e fúteis. Vale ainda dizer que os leitores de Tolkien precisam ter boa vontade, como amigo pessoal de Tolkien, além da óbvia homenagem na figura do Dr Ransom, Lewis se referencia diversas vezes a Númenor, mas não a Númenor posteriormente estabelecida no Silmarilion e demais livros.
Lewis também se referencia a um clico de lendas muito caro aos ingleses e a cosmologia que ele propõe é no mínimo curiosa. Lewis podia ser cristão, mas definitivamente ele não era dado a ideias rasas e fáceis. O Cosmo e o Maledil de Lewis são muito maiores do que a visão cristã rasa e tacanha que estamos habituados.
Em resumo o que se pode dizer é que é uma trilogia de Sci-Fi cristã, imaginativa, com sua beleza, onde Lewis propõe e discute conceitos, alguns até familiares, mas também com ideias originais para dizer o mínimo.