Leila de Carvalho e Gonçalves 08/09/2022
A Polarização E O Golpe
Acaba de ser publicado pela Faro Editorial, o terceiro romance histórico de José de Almeida Júnior. Em 250 páginas, Bebida Amarga cobre um dos períodos mais polarizados de nossa República, indo da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, até o golpe militar, 1 de abril de 1964, que redesenhou o panorama brasileiro pelas duas décadas seguintes.
A narrativa gira ao redor de um conflito geracional. Marcos, o pai, e Fernando, o filho, são jornalistas que estão politicamente em lados opostos. Enquanto o primeiro é um comunista convicto que trabalha num jornal mais à esquerda, Ultima Hora, de Samuel Wainer; o outro é um liberal-conservador que atua na Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda.
Observadores privilegiados dos acontecimentos, eles terão suas vidas moldadas conforme seus princípios, permitindo diferentes perspectivas que se alternam ao longo dos 30 capítulos e esse resgate, isento de maniqueísmo, é um dos méritos do romance.
Um mérito que compreende um abrangente trabalho de pesquisa por parte do escritor que, minuciosamente exposto, pode tornar-se em alguns momentos exaustivo, mas faz do Brasil o protagonista de uma galeria de personagens convincentemente construída.
Uma delas é Mônica. Filha de Fernando, trata-se de uma menina autista, criada como problemática ou doente mental, já que esse transtorno era pouco conhecido há sessenta anos. Outra personagem interessante é Rebeca. Esposa de Fernando e mãe de Mônica, ela pode ser comparada a uma nova Capitu, pois sua honra é constantemente colocada em dúvida, mas jamais é comprovado qualquer indício ou boato. Aliás, é fácil cair na armadilha capciosamente armada por Almeida Júnior, que é um expertise do universo machadiano, inclusive, seu segundo livro, O Homem Que Odiava Machado Assis, versa sobre a vida e obra do escritor.
Finalmente, se você leu o romance de estreia de Almeida Júnior, o premiado Ultima Hora, Marcos e Fernando não lhe são estranhos, já que atuam respectivamente como protagonista e coadjuvante da história. Indo de 1950 a 1954, ela compreende o último governo Vargas e, a despeito de serem leituras independentes, formam uma duologia, porém, com um desfecho instigante, não me espantaria o futuro lançamento de mais um volume, originando uma trilogia.
Nota
- Um aspecto da edição não me agradou: as reproduções de páginas de jornais e revistas, que encerram cada capítulo, ficaram muito escuras. Inclusive, é uma pena que as fotos coloridas estejam em branco e preto. O resultado seria muito mais atraente, mas creio que a questão do custo tenha sido preponderante na decisão.