Filho de Jesus

Filho de Jesus Denis Johnson




Resenhas - Filho de Jesus


7 encontrados | exibindo 1 a 7


jota 16/02/2024

BOM: picados, bebidos, fumados, cheirados e fodidos – conheça Bostalhão e seus amigos
Ano passado, 2023, li Sonhos de Trem (Companhia das Letras, 2012), livro curto (88 páginas apenas), achei bom e fiquei interessado em ler outras obras de Denis Johnson (1949-2017), caso deste Filho de Jesus, que também não é longo (112 paginas, Todavia, 2023). O título vem de uma canção, “Heroin”, que faz elogio não à mulher do herói, mas à droga ilícita mesmo, muito consumida pelos personagens de Johnson: “When I'm rushing on my run / And I feel just like Jesus' Son… (Lou Reed). Como se sabe, a heroína é uma droga semissintética, proveniente da morfina, esta derivada do ópio extraído da papoula Papaver Somniferum.

Johnson escreveu as onze histórias do volume durante seu processo de desintoxicação, porque ele mesmo fizera uso constante de drogas e álcool no passado, e o lançou em 1992, porém elas se passam durante os anos 1970. Em 1999 Filho de Jesus virou filme homônimo e o narrador sem nome, sobre quem sabemos muito pouco, assim como ocorre com outros marginalizados e desorientados que povoam as onze narrativas, foi apelidado de FH, ou Fuckhead, ganhando a cara e os trejeitos do ator Billy Crudup. O próprio Denis Johnson faz uma ponta na versão cinematográfica, que é bastante fiel ao livro, embora tenha me parecido mais “limpa” do que eu imaginava depois de terminar a leitura.

Na tradução brasileira FH virou Bostalhão. Quando ele começa a nos contar sua história, está sem dinheiro, pegando carona no meio da chuva numa estrada do meio-oeste americano, depois de ter consumido drogas e bebidas oferecidas pelos outros motoristas que lhe deram carona. Pretende encontrar sua ex-namorada Michelle, a quem ainda ama, que conheceu em Iowa em 1971, mas que depois de uma briga tinha ido embora viver com outro homem em Kansas City. Através dela, viciada em heroína, foi que se iniciou no vício dessa droga. Na estrada, ao pegar carona com uma família, ele tem a premonição de que haverá um grave acidente e é isso mesmo o que acontece depois. Daí que essa primeira narrativa se chama “Desastre de carro no meio da carona”. Apenas um bebê e ele sobrevivem, mas Bostalhão não sabe o que fazer com a criança. E mais coisas estranhas e absurdas virão pela frente...

Nas dez histórias restantes conhecemos personagens e situações diversas regadas a drogas, bebidas e cigarros, que incluem traições, brigas, roubos, perdas e mortes, narrativas que não seguem uma ordem cronológica e nem sempre terminam naquele esquema de início-meio-fim, como nos contos tradicionais. Elas refletem o estado mental em que se encontra o narrador sob o efeito das drogas e vão fazendo mais sentido à medida que avançamos na leitura porque, de fato, estão todas interligadas.

Lá pelo meio do livro, em “Emergência”, nos deparamos com Bostalhão trabalhando num hospital, onde consegue, através de um auxiliar de enfermagem tão viciado quanto ele, pílulas roubadas da própria farmácia hospitalar. Enquanto as consomem, aparece um sujeito com uma faca enfiada no olho, vingança da esposa enciumada que o flagrara espionando a vizinha tomando sol no quintal. Apesar de aflitiva é uma das histórias mais hilárias (ou estranhas) das onze, principalmente depois que o seu colega auxiliar atropela na estrada uma coelha grávida e ele tem de cuidar dos coelhinhos... Nesse episódio, no filme, o personagem Terrance Weber, que levou a facada no olho, é interpretado pelo próprio Denis Johnson, um cultor do humor negro, como se vê.

Bostalhão trabalha porque precisa de dinheiro para sustentar seu vício, drogas nunca custaram barato para ele. Na quarta narrativa, “Dundun”, que é o apelido de outro viciado, amigo dele, está em busca de ópio sintético, de farmácia, medicamento controlado, porque como também se sabe, os opioides são analgésicos poderosos, mas Dundun já havia consumido tudo. Tanto que acabara atirando acidentalmente num terceiro amigo deles, McInnes, que acaba morrendo a caminho do hospital. Depois de outras aventuras e peripécias para conseguir drogas como nessa narrativa, que são as outras histórias absurdas que compõem o miolo do livro, Bostalhão também está trabalhando na última narrativa, “Beverly Home”. Que nada tem a ver com Beverly Hills, pois se tratava de uma clínica de repouso para idosos, que também tratava deficientes físicos mais jovens.

Nessa história ele se envolve com duas mulheres diferentes. Uma menonita casada, com quem não se relaciona, apenas a espia, escondido num canteiro de jardim, através de uma janela da casa enquanto ela toma banho e cantarola canções, e outra mulher bem baixinha, que em linguagem médica seria uma anã. Ele conta: “Quando fazíamos amor tínhamos o mesmo tamanho, porque o tronco dela era normal. Eram só os braços e as pernas que tinham saído muito curtos. Fazíamos amor no chão da sala de TV da casa dela depois que ela colocava a filhinha pra dormir.” Além disso, aos poucos Bostalhão começa a se recuperar do vício, estava apreciando viver sóbrio, embora de vez em quando ouvisse vozes “(...) resmungando na minha cabeça, e muitas vezes o mundo parecia se crestar nas pontas. Mas a cada dia meu estado físico melhorava um pouco mais, eu estava voltando a ser bonito, e estava mais disposto, e, no fim das contas, essa foi uma fase boa.” Depois de tanta barra pesada um pouco de céu azul faz bem para o leitor também...

Por fim, talvez Filho de Deus seja mais apreciado por leitores que já tiveram contato com obras de autores que também trataram de personagens viciados, desvalidos e marginalizados ou estranhos mesmo, como Chuck Palahniuk, Charles Bukowski, David Foster Wallace, Cormac McCarthy e outros. Para Philip Roth “A prosa de Johnson é de um poder e um estilo incríveis.” E Andrew Hubner registrou que “Denis Johnson é um escritor que, como Twain, Hemingway e Ellison, conseguiu apreender a essência da vida americana.” O que não é pouca coisa, convenhamos.

Lido entre 29 de janeiro e 13 de fevereiro de 2024.
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Lurdes 13/12/2023

São onze contos em que o desencanto dá o tom.

O autor nos apresenta uma galeria de personagens quebrados, pela vida, pelo álcool, pela droga, que vivem encarcerados em seus mundinhos frustrantes, frustrados.

Alguns destes personagens aparecem em mais de uma narrativa, o que é interessante, por um lado, mas que me incomodou um pouco em outros momentos.

A escrita do autor é fluida e, embora trate de temas muito espinhosos, a leitura é agradável.

O livro foi muito festejado pela crítica e teve, inclusive, uma adaptação para o cinema.

Algumas das estórias são muito envolventes e nos emocionam em várias passagens.

Mas... eu não consegui me conectar da forma como esperava. Alguma coisa me soou "datada". Não que os temas não sigam atuais, mas o estilo da narrativa é muito vibe anos 1970, geração beat, embora tenha sido escrito em 1992 e, aparentemente queira mostrar uma outra faceta, mais destruidora, do uso de drogas.

Mas vale a leitura, que nos traz algumas reflexões bem interessantes.
Ainda vou tentar ler algum romance dele. Imagino que em uma narrativa mais longa eu possa conhecer mais profundamente sua obra.
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Pedro3906 09/11/2023

"bêbado de tristeza, eu sempre queria mais."
Eu não estou para acusações literárias ou apontamentos frutíferos, então relatarei simples o pouco que me ocorreu na lucidez da leitura. É o encontro desenfreado e cru do imaginário palacete abstrato dos jogos de gangue, das histórias obscuras que pouco possuem de fábulas e violentas aproximam-se da destruição desmedida das pessoas. Não apenas agonia, talvez desespero, talvez consciência vívida diante do susto: pois o valor da vida também é para todos. Para todos os sóbrios, para todos os felizes. Para todos que vivem sequência infindável de desgraças.

Meu conto favorito foi "Casamento sujo", não sei bem porquê. Esse livro aporrinha e machuca mas ensina. De repente estou com uma vontade louca de estudar a geografia dos Estados Unidos.

Os coelhos atropelados arrepiam o espírito.
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Luigi - Acrópole Revisitada 03/06/2023

ÓTIMO!
O livro foi publicado em 1992 e saiu no Brasil agora em 2023 pela Todavia. A tradução ficou a cargo de Ana Guadalupe.

São 11 contos distribuídos em 110 páginas. As curtas histórias parecem trazer o mesmo personagem, que transita entra elas. As histórias parecem representar o personagem em diversos momentos de sua vida.

Os personagens aqui são marginalizados. Estão longe de representar o sucesso vendido no sonho “americano”. Eu nem gosto desse termo: americano pra mim é todo mundo que mora nos países do continente.

Aqui os personagens parecem almas perdidas, procurando nos roubos, nos vícios e na noite a mínima possibilidade de existência.
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Icaro 09/03/2023

Adorei!
Um livro muito tocante sobre a simplicidade dos problemas, o mundo de disparidades, o urbanismo e a mediocridade americana.

Melhor do que descrever, vale citar: ?Toda aquela gente bizarra, e eu ali no meio, ficando a cada dia melhor. Eu nunca tinha pensado, nunca tinha sequer imaginado, que houvesse lugar pra gente como nós.?
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Ivandro Menezes 26/02/2023

Sonho americano?
Constantemente, os Estados Unidos são apresentados como uma terra de oportunidades, de sonhos realizados e encanto; um Eldorado de braços abertos a todos os que desejam conquistar o paraíso e tomar assento no Olimpo dedicado aos vencedores.

Entretanto, há outra face do sonho americano com tons menos solares e felizes, um sonho gris com tons de morte, miséria, vício, sexo e loucura. A essa face decadente e obscura do american way of life é objeto dos onze contos de Filho de Jesus, o quinto livro de Denis Johnson, cujo título é tirado de um dos versos de Heroin, canção do The Velvet Underground.

As frases curtas, os diálogos afiados e as tramas peculiares e inusitadas percorrem espaços sujos, hospitais psiquiátricos, bares e lugares inusitados, distantes das casas de madeira aconchegantes, ricamente mobiliadas, cheirando a felicidade e riqueza, dessas que são exploradas pela litertura e cinema como fachada para problemas familiares e da classe média estadunidense. Aqui o espaço é deslocado para aquilo que se esconde, os problemas mentais, o abuso de drogas e bebidas, a loucura, a velhice. E tudo narrado através de um caledoscópio de alucinações e experiências vívidas, inconformadas e cinismo.

As cores variam entre o cinza, o preto e o branco, sem uma cartela ampla e animada, sem resquício de esperança ou redenção. Os contos começam, divagam e acabam, sem desfecho, sem a necessidade de desfecho lógico e/ou satisfatório. A vida pela visa, sem roteiro, sem plot twist, sem emoções açucaradas. Nesse sentido, o narrador segue no automático, sendo transportado de um ponto a outro, de um momento a outro.

Em Desastre de carro no meio da carona, o conto de abertura nosso narrador toma uma carona num carro com uma "família tipicamente americana" em meio a uma viagem cheia de haxixe, uísque e anfetaminas. Enquanto, narra a sua vida perfeita, ele nos lembra como foi parar ali naquele carro, e, após a tragédia que ceifou a vida da família, ele segue desnorteado sem entender com exatidão entre a realidade e o delírio. Esse contraste entre a face dourada do sonho americano e de sua face oculta anuncia o lugar em que se encontra o protagonista, bem como o ponto de vista do que virá a seguir.

A cada conto um novo desconforto, uma nova ironia, um sorriso desconcertado ante ao politicamente incorreto, os desfechos autênticos e não previsíveis. Aliás, a imprevisidade e o inusitado percorrem a narrativa do início ao fim. Não vá esperando contos lineares, certinhos, ajustados a um certo gosto comum. Johnson trata as paixões humanas desse lugar entorpecido e aberto a uma outra forma de transcendência ativa pelo álcool, heroína, haxixe, doce, ópio e sexo.

Se, apressadamente, se coloca esse lado obscuro do sonho americano como ruim, Johnson revela que as mesmas dores e lástimas de um lado também estam no outro. A vantagem de um lado sobre outro é viver tudo isso entorpecido em drogas e álcool, diferente do outro lado que se entorpece num modelo ideal de felicidade, na alienação religiosa e no ideal inalcançável de felicidade. É das trevas que enxergamos um marido lavando os pés da esposa, a violência do abandono e da indeferença, a perspectiva do nascer e do morrer.

Tudo isso somado a destreza literária de Denis Johnson fazem de Filho de Jesus um daqueles livros memoráveis que deixa a gente ruminando tentando entender o que aconteceu e acabou de ler. Todos os contos mostram um equilíbrio, em termos de qualidade e ritmo, mas destaco como favoritos o já citado Desastre de carro no meio da carona, Dundun, Emergência, Casamento Sujo e Berverly Home.

Resenha publicada em: https://www.literaturabr.com/2023/02/24/filho-de-jesus/
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Arlete 22/01/2023

O livro de Denis Johnson(1949-2017) foi lançado originalmente em 1992, porém ainda conversa com a realidade. O narrador de cada história, ainda que não se identifique é alguém que de fato conseguimos enxergar no mundo. O livro é de uma crueza inacreditável, com cada personagem sendo tão real quanto possível, em suas misérias ou pequenos atos heróicos.
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