Leila de Carvalho e Gonçalves 19/03/2023
A Outra Odisseia
Em Oikospoética, Carol Bernardes aborda um tema muito explorado pela literatura grega na Antiguidade, o ?nóstos?, ou seja, o retorno do herói para casa, tendo como referência a Odisseia de Homero. Entretanto, seu foco não está voltado para as aventuras de Ulisses, mas para o zelo e a constância de Penélope, enquanto aguarda o marido, tecendo e destecendo a trama do dia a dia.
Trata-se do outro lado, uma trajetória que se desenvolve no espaço doméstico ou ?oikos? que, ao deslocar o comando androcêntrico da ação para uma perspectiva feminina, ressignifica a jornada humana. Assim sendo, o ?cérebro racional e masculino? passa a ser apenas ?um sótão vago e empoeirado de cuja mansarda avista-se o resto do mundo?, enquanto que a intimidade do quarto, o trabalho incessante na cozinha e o vai e vem da sala tornam-se a força motriz dos acontecimentos.
Sinteticamente, um percurso que é dividido em três níveis como ocorre em outras jornadas místicas e um bom exemplo é a Divina Comédia, de Dante Alighieri, que se estrutura em Inferno, Purgatório e Paraíso. Nesse caso, Bernardes divide essa viagem em três capítulos ? Seiva, Raizes e Rama ? reportando ao simbolismo da Árvore da Vida, que presente em várias culturas e religiões pelo mundo, ocupa uma posição central no Jardim do Éden.
Enfim, em Oikospoética, Penélope pode finalmente libertar-se do milenar suplício de uma espera passiva. Partindo de tarefas e hábitos cotidianos, Bernardes conduz a personagem por um novo trajeto com outro propósito: alcançar o âmago da psique ou o inconsciente coletivo, simbolizado por um sombrio porão, para ela enfrentar seus monstros interiores e, sem amarras, renascer feito Perséfone sob a proteção de Héstia.
Nota: Como leitura complementar, sugiro A Odisseia De Penélope, de Margaret Atwood.