Carla Aires 08/11/2023Contraditória e pretenciosaEu me sinto mal de verdade por não ter gostado muito desse livro. Em teoria ele é perfeito pra mim, tem uma proposta instigante e os trechos que li antes de comprar me apresentavam uma escrita poética linda e que parecia conversar direto comigo. Mas a questão é que eu realmente não simpatizei com a protagonista e é isso que me faz sentir mal, porque reconheço que é horrível tudo que ela passou, mas ao mesmo tempo acho ela insuportável.
Maristela Guerra reclama e reclama e reclama da atenção que a mãe dela recebe só depois de morta e do mercado editorial e dos fãs da mãe dela e de ter que cuidar da obra póstuma da mãe dela... e é uma reclamação sem fim de tudo que envolve a imagem construída pelo mercado editorial e a mídia da mãe como essa figura trágica e melancólica, um fetiche de tristeza. Ela é super grossa com os editores e jornalistas que se aproximam dela, mas o que eu acho contraditório e me fez revirar os olhos é o fato de que ao mesmo tempo ela vive totalmente da renda gerada por tudo isso que ela tanto diz que abomina. Ela mesma diz que não "sabe" trabalhar com nada e mesmo soando insensível, não consigo não pensar que muitos dos problemas dela vem do privilégio de não precisar se preocupar com boletos.
Tudo bem que as contradições de personalidade da filha podem ser resultado do trauma e do luto, mas a escrita dela não me transmite nada disso. É aquele tipo de escrita em que tudo parece muito bem pensadinho, dos enters aleatórios à falta de uso de letra maiúscula depois dos pontos. Esse é o problema com a prosa poética: pode facilmente soar artificial e pretenciosa. Aqui me pareceu muito que ela estava se exibindo, mostrando que sabe escrever bem porque se ressente de não poder ser escritora (até agora?) e também acha que os poemas da mãe nem eram tão bons. Olha, eu não costumo ter problema com personagens complexos e imperfeitos, mas aqui realmente minha empatia ficou devendo.
O pior de tudo é que o final parece ter sido feito pra ser lindo: ela grávida de uma filha e toda feliz com o futuro, sendo que claramente os problemas ainda estão todos lá: ela ainda vivendo no apartamento de onde a mãe se jogou, sem fazer terapia, sendo egoísta e agora achando que uma criança vai consertar tudo. Coitada dessa garota que vai nascer.