Lasse_ 24/03/2024
Terror sem terror
É um livro bastante interessante, mas que tem muita introdução e pouca conclusão, quase nenhum desenvolvimento. Como terror, não funcionou pra mim. Usando o subgênero de casa mal assombrada, o autor faz uma subversão nesse gênero ao fazer com que os fantasmas existam apenas na memória e na percepção individual dos personagens, quase que apenas como um reflexo de uma consciência pesada. Tudo muito interessante, mas pouco assustador ou inquietante. Talvez tenha faltado uma sensibilidade maior na hora de criar a tensão, as coisas acontecem espalhafatosamente, criam uma tensão pelo personagem mais pela completa ineptitude do Marco do que por qualquer outra coisa. Fantasmas aparecem brevemente para lembrar que a casa é um lugar terrível, assim como a sua consciência, mas não reduzem os personagens à paralisia pelo medo inelutável daquilo que se encontra no corredor.
Isso dito, o que torna o livro interessante é a premissa e o jeito que ela é introduzida, pois várias reflexões são suscitadas no desenvolvimento do pano de fundo da família. O avô, espécie de patriarca, era um letrado integralista, autor de um livro chamado "A Febre", sobre uma família corroída pela prole comunista. O pai, fortemente autoritário, está mal com alguma fatídica doença, e o filho Marco, resignado e conformado, vai cuidar dele. Aparece logo o irmão Cláudio, encarnação da maldade, que esconde os remédios do pai, sem que Marco tenha a coragem de impedi-lo, tornando-o cúmplice. A irmã Joana demora a aparecer, afastada da família por não ser aceita como mulher que rasura a heteronormatividade pregada pelos valores patriarcais do pai Abel, ela que sempre foi a única que tinha habilidades práticas da família.
A grande lição do livro é que a passividade não é a neutralidade, mas sim um quieto favorecimento ao opressor. É proverbial a reflexão do narrador quando Marco folheia outra obra do avô: Vassouras de Antanho. "A obra foi feita para que os seletos contemporâneos reconhecessem suas famílias". Num contexto onde a história é apagada pela ditadura, conhecer o passado é um privilégio dos favorecidos pelo regime. Marco esquece dos oprimidos quando folheia o livro em busca de afirmações polêmicas que denunciassem as ideias erradas do avô, sem encontrar nada.