Cassio Kendi 05/03/2023
"Um peixe idoso e sábio nada para perto de três peixes jovens: 'Bom dia, garotos, como está a água?' e continua a nadar para longe; os três peixes o vêem se afastar, olham um para o outro, até um dizer 'Que diabos é água?'"
Em uma rede social de livros, às vezes é fácil esquecer o quão complexo é o processo de leitura. Você primeiro tem que aprender vários símbolos, entender que som faz cada um, depois aprender uma quantidade enorme de palavras e conjugações, regras de pontuação e acentuação, diferença entre letra minúscula e maiúscula, letra de mão e de forma. Estou na Tailândia agora, e só de ver todas as placas com um alfabeto aparentemente indecifrável me faz lembrar que o nosso, apesar de mais simples, continua inacessível para muita gente.
'Creating Room to Read' conta a história de criaçao e expansão da ONG 'Room to Read' do ponto de vista de um dos fundadores, John Wood. Depois de uma viagem pelo Sudeste da Ásia, ele largou o emprego bem pago de executivo da Microsoft para seguir a missão de tornar a leitura acessível para todas as crianças do mundo. O livro intercala entre histórias de alguns dos alunos impactados, episódios de dificuldades em coordenar uma organização global, e explicaçoes sobre o modelo cooperativo entre a ONG e a comunidade local, o que inclui governo, professores e pais dos alunos. Hoje, além de já ter aberto dezenas de milhares de bibliotecas em mais de 20 países, 'Room to Read' também já publicou centenas de livros em línguas locais, junto a ilustradores e escritores de cada país. Um dos meus capítulos favoritos conta como identificaram que um dos maiores problemas para incentivo à leitura era a falta de mercado literário infantil local, e como os próprios organizadores decidiram criar e publicar livros novos para suprir essa carência. É inspirador acompanhar o relato de como obstáculos inicialmente intransponíveis acabaram sendo resolvidos.
Único ponto do livro que não me agradou muito é que em algumas partes parece mais propaganda do que narrativa. Um dos papéis principais do autor na ONG é angariar fundos, e esse tom mais vendedor acaba transparecendo em alguns capítulos. É compreensível se considerar que um dos públicos alvos do livro são potenciais doadores, mas deixa a leitura menos atrativa e verdadeira na minha opinião.