Sebo Por Todo C 17/05/2012
O FALADOR, de Mário Vargas Llosa
Francisco Alves, 216 páginas, Rio de Janeiro, 1988.
Em “O Falador”, de Llosa, o narrador faz-se de autor (ou o autor está no papel de narrador). Duas histórias são desenvolvidas: a do narrador, desde a época de estudante, período em que fora amigo de Mascarita, estudante de Antropologia que chamava a atenção por uma arroxeada e grande mancha que lhe tomava boa parte do rosto; a outra história passa-se entre os Machiguenga, tribo isolada nas selvas amazônicas. A curiosidade é que este grupo nativo nômade organiza-se por famílias, vivendo os machiguengas isolados uns dos outros. O Falador é um contador ambulante de histórias, é quem cumpre a função de trazer notícias das famílias, é quem “guarda” as lendas, as verdades da criação, é quem houve com atenção sobre as ervas capazes de curar (ou matar), enfim, o Falador é o guardião da memória coletiva desse povo. Ele é o elo dos machiguengas, visto com respeito e segredo. Os machiguengas ignoram qualquer pergunta a respeito do Falador, negando sua existência.
O livro se passa no período da juventude do narrador aos seus estudos de pós-graduação no exterior, em uma trajetória esperada e normal. Relata, também, a tentativa de entender a trajetória de seu amigo, Saul Zuratas, filho de pais judeus, o Mascarita, o “homem mais feio do mundo”, que renega seu futuro esperado e normal como antropólogo brilhante ou como advogado – desejo de seu pai – optando por retroceder no tempo “da calça e da gravata à tanga e à tatuagem, [...] da razão à magia.”
Trecho Predileto, p.11
"Saul Zuratas tinha uma mancha roxa-escura, vinho avinagrado, que lhe cobria todo o lado direito da cara, e uns cabelos vermelhos e despenteados como as cerdas de um escovão. A mancha não respeitava a orelha nem os lábios nem o nariz, aos quais também marcava com um inchaço venoso. Era o rapaz mais feio do mundo: mas simpático e boa gente. Não conheci outra pessoa que desse, de saída, como ele, essa impressão de pessoa tão franca, sem arestas, desprendida e de bons instintos, ninguém que mostrasse uma simplicidade e um coração semelhantes em qualquer circunstância. Eu o conheci quando prestávamos exames para ingresso na Universidade e fomos muito amigos -- na medida em que se pode ser amigo de um arcanjo -- sobretudo nos dois primeiros anos, que cursamos juntos na Faculdade de Letras. No dia em que o conheci ele me advertiu, morrendo de rir e apontando para a sua mancha:
-- Todos me chamam de Mascarita, compadre. E aposto que não sabe por quê."
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