spoiler visualizarPaulo 24/01/2022
Ótima estreia do maior poeta brasileiro
Publicada em 1917, a obra inaugural de Manuel Bandeira traz 50 poemas, dentre os quais alguns escritos no sanatório de Clavadel, na Suíça, onde o poeta esteve internado em 1091 para tratamento da tuberculose. O poeta tinha perdido a mãe um ano antes, em 1916. A melancolia e a sensação onipresente da morte marcam a obra, como se vê em “Desencanto”:
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
Outros 5 poemas tiveram versos que me chamaram especialmente a atenção.
De “A canção de Maria”, destaco o último quarteto, pela forma delicada e elogiosa com que se refere à Nossa Senhora:
Ó minha linda alegria,
Trégua dos cuidados meus,
Por que não vens todo dia,
Se é toda vinda de Deus?
Seguem outros versos que destaquei durante a leitura:
Não aprofundes o teu tédio.
Não te entregues à mágoa vã.
O próprio tempo é o bom remédio:
bebe a delícia da manhã.
A arte é uma fada que transmuta
e transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
(“À sombra das araucárias”)
Embora morra encontentado,
Bendigo o amor que Deus me deu.
Bendigo-o como um dom sagrado.
Como o só bem que há confortado
Um coração que a dor venceu!
Enfim te vejo!
(“Volta”)
Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o grande bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: — “Vem!
E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.
A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel…
(“A vida assim nos afeiçoa”)
Tenho êxtase de santo... Ânsias para a virtude...
Canta em minhalma absorta um mundo de harmonias.
Vêm-me audácias de herói... Sonho o que jamais pude
- Belo como Davi, forte como Golias...
E neste curto instante em que todo me exalto
De tudo o que não sou, gozo tudo o que invejo,
E nunca o sonho humano assim subiu tão alto
Nem flamejou mais bela a chama do desejo.
(“Plenitude”)
Enfim, ótima estreia do maior poeta brasileiro.