regifreitas 14/09/2017
Duas obras póstumas encontram-se nesta edição. No Diário, Lima Barreto registra todo o seu drama pessoal ao ser recolhido em uma instituição para doentes mentais, por conta dos abusos de álcool; abusos esses que o tornavam uma pessoas excitável e dado a delírios e alucinações, obrigando a família a interná-lo, o que acontece em pelo menos duas oportunidades. Percebe-se nas anotações do Diário a clara intenção do autor em ficcionalizar posteriormente essas experiências – em determinadas passagens, chega a confundir os fatos vivenciados com as notas para o futuro romance.
Este romance seria O cemitério dos vivos, no qual o protagonista, Vicente Mascarenhas, passa pela mesma experiência do autor – por conta de uma vida repleta de dificuldades financeiras, frustrações e desilusões, e também por um profundo remorso provocado pela perda da esposa (a qual só passa a compreender depois de morta), acaba, igualmente, enveredando pelo alcoolismo.
Infelizmente a obra ficou incompleta, pois Lima Barreto veio a falecer antes de poder concluí-la. Sua primeira edição só veio a público em 1956, por conta dos esforços do biógrafo Francisco de Assis Barbosa. Contudo, em O cemitério já se encontra o germe do que poderia se tornar a obra-prima do autor. O dia a dia na instituição psiquiátrica e a relação com os outros pacientes, médicos e funcionários; fatos inusitados e personalidades pitorescas que atravessam o caminho de Vicente; além de reflexões sobre a própria loucura, bem como sobre a finalidade e o funcionamento do hospício, e a marginalização das pessoas ali internadas. Uma pena um material tão rico não poder ter uma merecida finalização!
Nesta edição constam extras que enriquecem bastante a obra, começando por um prefácio esclarecedor de Alfredo Bosi. Além dele, textos (contos, crônicas, entrevistas) do próprio Lima Barreto, todos relacionados às suas sucessivas internações ou tendo como tema a loucura. Também fazem parte outros textos (crônicas e reportagens) de Machado de Assis, Raul Pompeia e Olavo Bilac, autores que em algum momento escreveram sobre o Hospício Nacional de Alienados, instituição na qual Barreto foi recolhido.