Ari Phanie 09/02/2022Ascensão e Queda
Ana Bolena é uma das figuras mais controversas da história. Ela é normalmente apresentada e representada como uma mulher de beleza singular, coquete, ambiciosa e audaciosa. Ela foi "responsável" pela anulação do casamento entre a rainha Catarina de Aragão e Henry VIII, e pelo rompimento da monarquia com a Igreja Católica. Na realidade, ela não tinha poder nenhum para isso, o poder todo residia nas mãos do rei Henry VIII. Então, o monstro da história real foi Henry VIII, mas quem perdeu a cabeça e foi chamada de bruxa foi Ana Bolena.
Em A Irmã de Ana Bolena, Philippa Gregory faz um retorno a um dos momentos mais conturbados da história da Dinastia Tudor. E através de Maria, a outra garota Bolena, o leitor acompanha os Bolena e sua luta para chegar ao poder a todo custo. A Gregory pintou um retrato bastante vilanesco dessa família, principalmente da Ana. Sua narrativa é baseada em fatos históricos, assim como também é baseada em mitos, assim como também é uma obra de ficção. A realidade é que Ana Bolena foi acusada de bruxaria e se tornou a primeira rainha inglesa a ser decapitada, e por isso, seu nome e imagem foi apagado da história por muito tempo. Henry VIII foi um rei que iniciou a prática de deixar escrito formalmente sua história e decisões, mas Ana Bolena "enfeitiçou o rei e causou distúrbios na Inglaterra", então por muito tempo, ela foi banida das memórias do país . O grande trunfo da Gregory nesse e em outros livros seus é a mistura de fato e ficção e suposição que culmina em uma narrativa instigante que prende o leitor e nos faz querer avançar rápido por cada página para descobrir logo o que vai acontecer na página seguinte.
A primeira vez que vi algo sobre Ana Bolena foi com certeza na série The Tudors, e eu achei ela maravilhosa, ousada e impetuosa, sem contar que eu também amava o Henry. Televisão pode pintar tudo nas cores mais bonitas e Jonathan Rhys Meyers definitivamente era a pintura mais bonita. Já quando vi A Outra que é baseado nesse livro, me deparei com uma personagem histérica e ambiciosa. E é exatamente como a Gregory descreveu a Ana Bolena. Através da ingênua (muitas vezes, lenta), passiva e insípida Maria Bolena, vemos uma Ana coquete, maldosa, colérica, intensa, cruel, tirana. É impossível gostar dela. Até mesmo a protagonista Maria pode ser difícil de agradar com sua passividade. Todos os Bolena vendem mentiras e manipulação, e é difícil torcer por eles (em alguns momentos, até mesmo por Maria e George que são os únicos que despertam alguma empatia) e não há como não ficar satisfeita com o final já que foram os Bolena que causaram tantos problemas e tantas dores. Mas, na real, foram mesmo? Ana foi mesmo esse monstro que Gregory pintou?
"Parecia que lutávamos com algo pior do que Ana, com algum demônio que a tivesse possuído, que tinha possuído todos nós, os Bolena: a ambição."
Por mais que eu tenha odiado a Ana Bolena retratada pela autora, eu gostaria de ter tido a chance de ler a história também do ponto de vista dela, porque a personagem mais marcante é ela. Ela é odiosa, mas é ela que faz e acontece, e estava envolvida com a política, e etc. Em todos os outros livros da autora que eu li, as protagonistas eram as mulheres mais marcantes de seu período (com a exceção de A Princesa Branca, que foi uma protagonista tão pamonha quanto a Maria Bolena). Em A Rainha Branca, a perspectiva era da grandiosa Elizabeth Woodville, e em A Princesa Leal a perspectiva era da maravilhosa Catarina de Aragão, e etc, mas assim como a História, Philippa Gregory resolveu dá uma diminuída na Ana Bolena, e retratar ela da pior e mais estereotipada forma. Não nego que com toda certeza, essa foi uma mulher ambiciosa que lutou para chegar onde chegou, mas ela foi assassinada com base em falsas acusações porque Henry VIII queria, a todo custo ter um filho homem e estava interessado em outra para fazer esse trabalho. Não há como gostar ou torcer pela Ana retratada em A irmã de Ana Bolena, mas quem foi a real Ana é na verdade, interessante de se conhecer. Tudo o que eu sabia sobre essa grande figura histórica não passava da imagem superficial e estereotipada amplamente usada nas mídias. Mas quando assisti o musical Six me interessei mais sobre a história das seis mulheres que tiveram a infelicidade de cruzar o caminho de um homem mimado, vadio e desleal que tinha muito poder nas mãos e pouco cérebro. Ana foi uma vítima da própria grandeza e ambição, foi uma mulher que não se encaixava nos padrões de recato e passividade, mas foi o rei que renegou sua primeira esposa, foi o rei que renegou a Igreja, tudo em nome da luxúria e estupidez, e foi esse mesmo rei que, quando não mais interessado, se fez de vítima de bruxaria e mandou sua segunda esposa para o cadafalso.
"Metade da doutrina dessa Igreja é para nos atrair, metade para nos amedrontar. Não serei seduzida e não me deixarei ser intimidada. Por nada. Decidi construir minha própria estrada e é o que farei."
Como eu falei antes, a Philippa Gregory escreveu sobre um vilão (Ana Bolena) e um homem egoísta (Henry VIII) e colocou a sua segunda mais passiva protagonista para narrar essa história. Não vou dizer que ela não escreveu de forma magistral, como sempre faz, mas ela optou por fazer aquilo que um monte de escritores de ficção histórica antes dela fizeram: demonizou Ana Bolena. Cleópatra e Maria Antonieta também foram personalidades demonizadas, até que novas descobertas e novas interpretações confirmaram que elas não foram lá as grandes vilãs de novela das 9 pintadas por tanto tempo. Elas tinham qualidades e defeitos, tanto quanto qualquer um, conquistaram lugares e objetivos nunca antes alcançados por mulheres, e quando falharam, caíram em desgraça e foram julgadas com mais ferocidade. E essa é a única coisa que eu tenho a criticar na história da Gregory. Eu gostaria que ela tivesse me apresentado uma Ana mais realista. Pelo menos, uma mais ambígua como a sua irmã, que é boa, mas se era para ajudar a família, ela podia ser uma cretina também. Aí então, teria alcançado o que hoje já é mais divulgado sobre a Ana Bolena. Ainda sim, gostei desse volume e recomendo para quem gosta de ficção histórica. Vamos ver o que a Gregory tem a mostrar sobre as outras rainhas Tudor. Elas, definitivamente, tiveram histórias muito interessantes e trágicas.
"Se tudo o que sou, minha inteligência, meu temperamento e minha paixão pela reforma da Igreja, tem de ser renegado, então abandonarei a minha própria personalidade. Se o que o rei quer é uma esposa obediente, eu não deveria nem ter aspirado ao trono. Se não puder ser eu mesma, poderei muito bem não estar aqui."