Natália Tomazeli 09/08/2019Nunca se sabe como é o coração de uma pessoa até que ela seja testada, não acha?"Percebeu então que durante toda a vida olhara para os negros, mas nunca os vira realmente. (...) Ao sair da igreja, voltou-se à porta e a olhou uma última vez. Talvez tivesse chegado lá na esperança de descobrir o que era ser negro. Agora entendia que jamais saberia, tanto quanto as pessoas que estavam ali jamais saberiam o que era ser branco. Sabia também que nunca mais voltaria. Aquele lugar pertencia a eles. Mas pela primeira vez na vida conheceu o júbilo. O verdadeiro júbilo."
Cara, que livro mágico! Não tem outra palavra que eu possa usar para defini-lo. É mágico não no sentido de fantasioso, mas no sentido de despertar sentimentos e sensações dentro da gente que são muito únicas e incríveis, aquele quentinho no coração, sabe?
Ele foi destruindo e reconstruindo meu coração de uma maneira que eu nunca tinha lido antes em nenhum lugar. Uma experiência de leitura bem inexplicável, porque esse livro é mais para ser sentido do que qualquer outra coisa.
Essa foi a primeira vez na vida que eu comprei um livro por causa do título. Na verdade, ele me chamou atenção e quando fui ler a sinopse fiquei alucinada! Aí tive a certeza que precisava ler esse livro de qualquer forma.
Se tem uma palavra que pode definir essa história é com certeza "nostalgia". Através desse modelo de narrativa que a autora escolheu, que reveza entre o passado e o presente, sendo narrado ora pela personagem da Sra. Threadgoode (que está no presente), ora por um narrador onipresente, ora pelo "Semanário Weems", vai sendo contada a história da família a família Threadgoode, no cenário de 1930 dos EUA, que para quem não sabe, foi o período conhecido como "A Grande Depressão", uma crise/recessão econômica terrível que o país (outros países também foram afetados, na verdade) sofreu nesta década. Eu já tinha lido outro livro que passava nessa mesma época nos EUA, então já entendia a "pegada" desse período, mas aqui em "Tomates Verdes Fritos", tem um diferencial sobre retratar algumas questões além disso que também eram uma realidade bem crua da época, como o racismo, estrutura familiar, luto, o processo de envelhecimento, nuances sociais, feminismo, entre outros. Eu costumo gostar bastante de livros que passam nesse cenário, mas esse livro mostra um face dessa época mais "positivista" ou "esperançosa", não sei se posso chamar assim... Mesmo com todas as dificuldades que tinham nesse período, os personagens se mostravam muito resilientes e conseguiam viver uma vida favorável e satisfatória, considerando as condições lastimáveis da época. A família Threadgoode é muito unida (não importa a situação) e me encantou saber da história deles do início ao fim do livro, justamente pelo fato de serem pessoas muito verdadeiras e muito gentis. Eu fui lendo e fui sentindo perfeitamente o quanto eles se amavam e o quanto davam importância para o bem-estar de cada familiar. Não sei, tô muito acostumada a ler (e ver) histórias de famílias conflitantes e problemáticas, no sentido de terem uma estrutura familiar problemática e fragmentada, mas acho que nunca tinha lido nada que mostrasse o contrário disso. Eles se apoiam e se ajudam de uma forma tão singela, acho que é difícil encontrar algo assim até fora da literatura, então é muito gostoso poder ler algo assim. Isso até suavizou, ao meu ver, todas as outras temáticas pesadas que a autora inseriu na trama, o que equilibra e dá esse efeito "de encanto" no livro que eu comentei.
Na verdade, o convívio geral daquele pessoal que morava na Parada do Apito me deixou também muito fascinada, justamente por essa coisa da ajuda mútua e da reciprocidade. A própria Sra. Threadgoode, quando conversa com Evelyn, vive fazendo paralelos de como naquela época as pessoas confiavam mais umas nas outras e de como hoje em dia isso mudou (pra pior). Aliás, as análises que a Sra. Threadgoode traz para a história, em sua maioria, são muito boas para refletir sobre a vida, agregam muito! Foi uma das coisas que eu mais gostei no livro e ela é uma das melhores personagens também.
O racismo dentro do contexto da "Grande Depressão" também foi explorado da melhor maneira possível. A autora teve muita sensibilidade em colocar isso de uma maneira humana demais e ao mesmo tempo ríspida e crua. A visão tanto do lado oprimido quanto do lado opressor é demonstrada, o que dá um panorama completo das circunstâncias.
É, sem dúvida, a parte do livro que mais me escandalizou e me chocou. A gente que é branco sempre acha que sabe do peso do racismo, mas acho que a gente não sente nem 1% do que os negros sentem na pele, tanto em 1930, quanto hoje. E esse tipo de livro nos dá aquela oportunidade de poder sentir um pouco mais dessa dor e entender que essa ferida que é o racismo, é muito mais dolorida e vergonhosa do que parece. Nos faz chegar mais perto dessa realidade que fica tão apagada na nossa vida """de branco""" e sair da nossa bolha confortável onde dá a impressão que nada disso existe. Só impressão mesmo, afinal, não é porque algo não pode ser visto, que não existe, né? Essa história confronta isso tudo com primor e passa essa mensagem de um modo muito assertivo, acho que só por isso já dá pra recomendar essa leitura sem hesitar!
Por último, eu não podia deixar de falar da minha personagem preferida, que entrou inclusive para a lista das minhas personagens preferidas de todos os tempos, e claro que eu tô falando da Idgie!
"Ela adorava que as pessoas a achassem má... Por dentro, era mais doce que marshmallow."
Não tive como não me encantar completamente por ela, ainda mais pelo fato dela ser quem ela é e viver a vida do jeito que ela bem queria, em plena década de 1930, onde reinava o machismo e a homofobia. Eu achei ela sei lá, inspiradora, sabe? Eu sai da leitura querendo ser mais como ela, mais livre, impetuosa e segura do que quer, que corre atrás do que acha certo sem se importar como nada mais... Ela parecia invencível, era indomável e decidida. Totalmente o tipo de mulher que não aceita viver privada da felicidade da qual merece. Queria que tivessem mais Idgies pelo mundo, na verdade, se eu pelo menos acabasse cruzando meu caminho com uma delas, já estaria muito feliz. Ruth teve muita sorte de ter ao lado dela uma mulher tão incrível quanto a Idgie e vice-versa. Meta de relacionamento, inclusive, porque o jeito que elas se amavam era muito lindo assim como todas as coisas lindas que eu encontrei nesta leitura, mas elas eram ainda mais especiais pelo fato de terem sido corajosas e resilientes suficiente para viver esse amor como tinham o direito de viver!
Ai, tem tanta coisa que eu queria falar desse livro, tanta coisa para analisar, mas acho que nem caberia tudo aqui nesse espaço (fora que já tá gigante o texto, enfim), então tentei resumir, falhando miseravelmente rsrsrsrsrs
Acho que esse é um daqueles livros que entraria fácil naquelas listas de "para se ler antes de morrer", porque achei ele imprescindível. Tomara que mais leitores tenham a oportunidade de conhecer essa história e principalmente de sentir tudo o que a autora quis passar, que é o que importa mesmo!
"Permanecera virgem para não ser chamada de galinha ou vagabunda; casara-se para que não a chamassem de velha solteirona; fingira orgasmos para não ouvir que era frígida; tivera filhos para que não a chamassem de estéril; não fora feminista para não ser chamada de sapatão e misândrica; nunca falou em voz alta ou perdeu a linha para que não fosse chamada de puta... Fez de tudo, e, ainda assim, um estranho a arrastara ao esgoto com palavrões que os homens usam contra as mulheres quando estão nervosos. Evelyn questionava: por que sempre palavrões ligados ao sexo? E por que, quando os homens queriam ofender outros homens, chamavam de “mulherzinha”? Como se fosse a pior coisa do mundo. O que fizemos para que nos vejam dessa maneira? Para sermos chamadas de cadelas? As pessoas não ofendem mais os negros, pelo menos não na frente deles. Os italianos não são mais carcamanos, e não existem mais japas, chinas ou adjetivos preconceituosos nas conversas formais. Todo mundo tem seu grupo para protestar e todos se unem. Mas os homens ainda se referem às mulheres por palavrões. Por quê? Onde está nosso grupo? (...)
A verdade era esta: dois meros sacos que abriam todas as portas do mundo. Eram os cartões de crédito de que ela necessitava para viver, ser ouvida, levada a sério. Agora entendia por que Ed quisera tanto ter um menino."