Polly 16/01/2023
A maçã no escuro: leitura e sinestesia (#182)
Ler Clarice, para mim, me parece uma experiência sinestésica. A autora não só nos conta uma história, ela nos faz senti-la - senti-la com todos os nossos sentidos. Aliás, como fala Rosiska Darcy de Oliveira no texto de apoio Luz sobre A maçã no escuro que acompanha esta edição, o enredo é o menos importante dos livros de Clarice. As sensações são muito mais importantes do que quaisquer fatos.
Esta não foi a primeira vez que li A maçã no escuro. Já o havia lido há 12 anos atrás, aos 18. A única lembrança que tinha ficado era que era um livro muito bom. Do enredo, quase nada eu lembrava (coisa comum por aqui, aliás). Desta vez, enquanto lia, eu me perguntava como uma adolescente tinha entendido aquilo? Como sempre fui intelectualmente vaidosa, cogitei ser arrogância, pura e simples arrogância (risos). Agora, ao terminar o livro, acho que aos 18 devo ter entendido muito mais do que hoje, aos 30.
Por quê? Porque eu não tinha tanta vergonha em me ver. Clarice exige que tu te olhes nos teus próprios olhos, e veja que tu tens uma alma com sombra e luz. Não se pode ter medo. Tão nova, eu não tinha tanto medo dos esqueletos no armário. Afinal, eles não eram tantos. Com o passar dos anos, a gente vai colecionando dores, que a gente não gosta muito de catalogar. Mas, infelizmente, vez ou outra, é preciso catalogá-las. Ler A maçã no escuro foi muito mais incômodo do que satisfatório desta vez. Foi muito mais doído "descortinar" desta vez - para usar a linguagem da própria Clarice.
Sobre o enredo? Não acho importante falar sobre ele. Nos romances de Clarice (será mesmo que a gente pode classificar assim?), o mais importante são as sensações, e disso, eu já te falei acima. Os personagens? Acho que a melhor maneira de classificá-los é te dizer que eles não são nada inspiradores. Você vai ficar muito tempo dentro da cabeça de gente que seja, talvez, um tantinho mais perturbada do que tu mesmo (risos). Assim, é bom estar disponível para "descortinar" junto com eles, porque você pode se identificar com coisas das quais não vai gostar nem um pouco.
No mais, ao ler A maçã no escuro, eu morri um pouco, mas passo bem (risos nervosos). Te interessou o que falei? Então, esteja disponível ao se dedicar à leitura. Ela é muito mais filosófica do que ficcional. Não engula o livro, aprecie ele aos poucos. Se preocupar em apenas "chekar" livro lido aqui no Skoob, vai te fazer perder a melhor parte do texto. Se dê tempo para "descortinar", porque dói, mas te faz crescer. E te permite apreciar o melhor da literatura brasileira. Vale a pena.