Conversa no Catedral

Conversa no Catedral Mario Vargas Llosa




Resenhas - Conversa na Catedral


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Alê | @alexandrejjr 13/06/2020

As conversas de Vargas Llosa

Demorei alguns dias para decidir se iria falar a respeito do genial "Conversa no Catedral", romance publicado em 1969 pelo peruano Mario Vargas Llosa. E sim, tomei coragem. Vamos lá.

Percebam o seguinte: Vargas Llosa está interessado em desafiar os leitores. E não, o livro não é complicado, apesar de sua conhecida extensão. Além disso, o preparo e a força necessários ao autor para executá-lo são inimagináveis. A questão é que se faz aqui uma espécie de contrato com os leitores. A mágica colocada neste romance não poderia ser reproduzida de outra maneira que não a literária.

Somos apresentados a duas personagens centrais, mas mais do que isso, iniciais: Santiago Zavala e Ambrosio. Enquanto a base da história acontece durante a conversa no Catedral, uma espécie de botequim, os leitores são convidados a desafiar o próprio conhecimento sobre o espaço e o tempo literário. O que acontece logo em seguida, quando percebemos que estamos fora do bar, é definidor para que aceitemos ou não entrar nessa viagem literária.

A narrativa, como muito bem classificou o professor Sergius Gonzaga em seu doutorado, é ziguezagueante. Somos transportados através dos diálogos aos pontos de vista de inúmeras personagens - em quantidade extravagante, eu diria - ao período da ditadura peruana do general Odría. Mas não é só isso. O romance é um espelho da sociedade peruana da época analisada, desde o déspota que comandou o país até simples cidadãos, como um motorista de carro ou uma doméstica. Todos ganham voz aqui. Todos contam uma história que precisa ser conhecida. Mas Llosa faz mais do que isso: ele mostra como todas elas estão interligadas.

É por isso que volto ao título. Entendam: a "conversa", meus amigos, não vai acontecer somente no Catedral, ela vai acontecer entre os leitores e o autor, entre a imaginação e a realidade, entre o poético e o prosaico. Leitura mais que recomendada.
Rony 14/06/2020minha estante
Ótima resenha. Nunca li nada desse autor, confesso que leio pouquíssimos autores latino americanos, mas parece ser bastante interessante


Alê | @alexandrejjr 14/06/2020minha estante
Tens que conhecer com urgência então! A nossa literatura é muito rica. Gabo e Llosa estão entre os necessários na vida de qualquer leitor, na minha humilde opinião.


Maria 16/05/2021minha estante
Um dos melhores livros do Llosa. Excelente resenha!


Alê | @alexandrejjr 16/05/2021minha estante
Obrigado, Maria. Foi uma das experiências mais gratificantes da minha vida de leitor.


Amélie Cansada 16/05/2021minha estante
Ah, eu amo! Foi minha primeira leitura do Llosa, num livro caindo aos pedaços, resgatado em um sebo. Tenho até hoje.


Alê | @alexandrejjr 16/05/2021minha estante
Meu Deus! Foi a tua primeira leitura dele? E não sentiu dificuldades? ?


Amélie Cansada 16/05/2021minha estante
Senti! Muitas até ? Mas valeu muito a pena


Alê | @alexandrejjr 17/05/2021minha estante
E vale mesmo! Um livro inesquecível.




Bookster Pedro Pacifico 04/11/2021

Conversa no Catedral, de Mário Vargas Llosa
Tem leituras que nos desafiam. A trajetória pode até ser desconfortável, mas uma das melhores sensações é terminar esse desafio com o sentimento de que valeu muito a pena. E foi justamente assim como esse livraço do autor peruano Vargas Llosa. E é interessante saber que esse livro não é apenas desafiador para quem o lê, mas também o foi para o próprio autor, que considera esta a obra que mais deu trabalho para escrever.

Mas por que esse livro foi desafiador? A resposta é a quantidade de vozes presentes em Conversa na catedral. A polifonia é uma característica bem presente nas obras de Vargas Llosa, mas parece que ele quis usar esse livro para experimentar bastante a multidão das vozes. São diálogos que se alternam e, principalmente nas primeiras partes, podem te deixar um pouco perdido no enredo. Inclusive, alguns assinantes do BookSter pelo Mundo montaram um esquema com as relações dos personagens, o que ajudou na leitura!

Na minha opinião, é essa habilidade do autor que faz a leitura ainda mais incrível. Ele consegue construir personagens muito vivos e intensos, sem muitas descrições, mas apenas pela forma com que se comunicam e se relacionam com os outros.

O pano de fundo é o Peru da década de 50, sob o poder do governo militar de Odría. De um lado, o autor nos mostra muito dos bastidores das artimanhas políticas e da pura troca de poderes e influência. De outro, vemos o cenário das universidades vítimas da censura e repressão pelo governo, assim como dos movimentos que resistiam ao regime vigente.

Não vou adentrar nos muitos personagens que compõem essa narrativa. Deixo aqui o desafio para vocês. Se aventurem nessa história e não se assustem com o começo. Leiam com calma que as dúvidas começam a ser esclarecidas ao longo da leitura. No final, é só ficar com as boas memórias de um livro escrito por um dos mais importantes escritores da América Latina.

Nota 9,5/10

site: http://instagram.com/book.ster
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Luiz Souza 14/09/2023

Vida difícil no Peru
O livro conta a história de Santiago Zavalita um jovem que se recusa a fazer a faculdade de direito e escolhe ser um jornalista comum no jornal Lá Crônica.
A história toda se passa num bar quando ele reencontra Ambrósio num canil o ex motorista de seu pai de anos atrás e eles começam a conversar e se lembra do passado.
A história tem como pano de fundo a ditadura do Peru e seus desdobramento na vida dos personagens.

Nesse universo de Catedral temos vários personagens interessante alguns nem tanto assim como o próprio personagem principal que é desprovido de qualquer ambição.

Temos Amália que era empregada na casa de Zavalita depois ela vai trabalhar em outro lugar na casa de Hortência , depois ela se envolve com Ambrósio claro depois de ter perdido Trinidad.

Hortência tem um caso com Cayo Bermúdez um homem que trabalha pro governo peruano , depois ele rouba dinheiro do governo e foge do país.
Daí que Hortência se apaixona de novo por um rapaz mais novo o Sr Lucas um tipo que só está com ela por interesse mas o seu amor não vê essa falta de caráter no rapaz.

Zavalita no fim do livro dispensou o apartamento que seu pai D Fermin deixou em herança mesmo seu irmão Chispas insistir muito.

Ambrósio continuou sobrevivendo de bicos ele foi uma das vítimas da ditadura que deixou muitas marcas no país.

O livro é uma aventura pois conhecemos muito sobre o Peru tanto do aspecto político como até local mesmo pois o autor descreve vários lugares de lá.

A história perdeu um pouco o ritmo depois que Cayo fugiu do pais e Hortência morreu eles eram bastante importante na história depois o enredo ficou no Zavalita e sua relação de conflito com a família e Ambrósio no relacionamento meio complicado com Amália.

Queta também foi uma das surpresas no livro ela era amiga de Hortência , ela era engraçada e não tinha papas na língua.

Ótima leitura.
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Marcos606 19/10/2023

As condições sociais no Peru durante a ditadura de oito anos de Manuel A. Odría são o centro da narrativa, personagens de diferentes classes sociais – funcionários do governo, capitalistas, estudantes de esquerda, empregados, prostitutas, trabalhadores – apresentam cenas de corrupção, conspiração, lutas políticas entre esquerda e direita, pobreza e fracasso. A narrativa revela tanto os fatos escandalosos da sociedade peruana quanto o absurdo da vida em que muitos peruanos se encontram.

Se dá como uma conversa entre Santiago Zavala, jornalista e filho de Don Fermín, o famoso capitalista de Lima, e Ambrosio, ex-motorista de Don Fermín. Eles se encontram em um momento posterior à ditadura de Odría e sentam-se em um bar chamado A Catedral para relembrar a vida dos últimos anos e o destino de outros personagens de suas vidas. A conversa deles forma um fluxo de diálogo para dar continuidade a vários fios narrativos envolvendo histórias de diferentes personagens de diversas origens sociais, todas relacionadas a acontecimentos políticos reais da história peruana. O fluxo de diálogo é um veículo para muitos dos romances de Vargas Llosa, mas este leva a técnica ao extremo, incluindo as histórias de mais de 30 personagens ao longo de um longo período de tempo e em vários lugares, tudo dentro de uma única conversa. Para compreender a história de forma concisa, o leitor precisa acompanhar o destino das figuras centrais: Santiago, Ambrosio, Dom Fermín e Bermúdez.
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skuser02844 21/09/2023

Um belo mergulho, pra quem consegue atravessar a superfície
Este livro entra com louvor para o hall dos livros mais malucos e difíceis que já li.
Não porque a história em si seja nonsense ou difícil de entender, isso tudo é bem simples, na realidade. O que torna o livro uma leitura desafiadora é a forma como o autor escolhe contar essa história.
Aqui conhecemos Zavalita, que também será chamado de Santiago, que vai encontrar Ambrósio, que também tem alguns apelidos, mas isso está longe de ser o que mais deixa a gente perdido durante a leitura... enfim, esses personagens vão se reencontrar, depois de muitos anos sem se ver, e sentados em uma mesa do bar Catedral vão falar sobre o passado.
Ambrósio foi motorista do pai de Santiago em um passado distante, quando este era um empresário muito mais bem sucedido do que é atualmente.
Mas enfim, o que teriam, esses dois personagens, para conversar no barzinho por mais de 500 páginas? A conversa deles é para relembrar o passado e a vida de ambos, em especial a do Santiago. Na época sobre a qual eles vão conversar acompanhamos, de forma completamente não linear, vários anos da vida deste protagonista, numa época de confusão política no Peru, onde o povo estava dividido entre extrema direita e extrema esquerda... um lugar bem tranquilo de se viver, não é mesmo? Até porque ninguém se tocava que os extremos eram tão semelhantes que se confundiam entre si, como acontece desde que o mundo é mundo e continuará sendo, já que, bom... é assim que é.
Quando Santiago é jovem ele resolve seguir a carreira de jornalista, para isso vai para a faculdade entra no partido comunista e renega a fortuna do pai... mas renega daquele jeito né... vira e mexe pede dinheiro pro irmão, inclusive chega a dizer em determinado momento que não precisa de um bom emprego, se precisar de dinheiro os irmãos podem arranjar para ele.
Mais do que a formação e emburrecimento de Santiago também acompanhamos Ambrósio e seu dia a dia, incluindo os empregos que teve depois que deixou de ser motorista do pai de Santiago, além de vários outros personagens ali do meio empresarial, político e do submundo do crime... basicamente tudo que acontecia com todos que viviam ali na região do bar onde eles estão agora conversando. Bar este que é quase um personagem também. Tudo isso sendo narrado nesta conversa, que ora um fala ora outro, tudo de memória, coisas que presenciaram, eventos dos quais participaram ou, até mesmo, coisas que ouviram falar na época.
O que torna o livro desafiador na tarefa de acompanhar a narrativa, é que esse passado que vai sendo reconstruído, troca entre os dois narradores, além de avançar e voltar no tempo, ainda com intromissões do que acontece no presente, enquanto eles conversam... tudo isso de uma linha para outra, sem qualquer aviso prévio, então a coisa mais normal do mundo, é você se perder algumas, ou várias vezes, durante a leitura.
Longe de mim querer desmotivar quem se interessar por este livro, porque além de passear pelos eventos desse período complicado da história política do Chile, algo que realmente aconteceu, aqui também vamos acompanhar a vida desses dois protagonistas, como já disse, com mais ênfase no Santiago, que é meio que um alter ego do próprio Llosa, e uma bela história de investigação, com muitas reviravoltas de explodir a cabeça.
Em determinado momento dessa conversa ele irão falar sobre o assassinato de uma cantora de cabaré, assassinato esse que Santiago, como jornalista, vai se embrenhar fundo para investigar, e descobrir muita coisa sobre pessoas próximas a ele. Se só essas descobertas já não tivessem feto sua cabeça (e a de quem está lendo o livro) rodar, Ambrósio vai fornecer, assim como faz em outros assuntos abordados, sua versão da história, revelando acontecimentos que preenchem as lacunas do que Santiago sabe, tornando tudo ainda mais mirabolante e aumentando muito o peso dramático dos fatos.
Além de tudo isso é ótimo ver Santiago quebrando a cara até virar (ou não) gente.
Considerado por muitos a obra prima do autor e por ele mesmo o livro que mais deu trabalho para ser escrito, é um dos livros mais interessantes que tive o prazer de ler, a superfície parece ser de concreto, mas depois que você consegue mergulhar você simplesmente não vai conseguir largar. É meu segundo contato com a obra do autor, e logo depois da leitura confesso que achava O Herói Discreto um livro superior, mas depois de refletir bastante acho que prefiro este, o que não diminui o mérito do outro livro, mas acho que a imersão no enredo e a criação dos personagens é mais cativante aqui, sem falar que a forma maluca como o autor escolheu contar essa história.
É desafiador, sim. Mas vale a pena.

site: http://hiattos.blogspot.com/2023/08/opiniao-conversa-no-catedral-mario.html
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Sabrina.Uliana 19/07/2022

Confuso, mas bom.
Confesso que pensei em desistir desse livro umas 10 vezes, mas persisti.
Ele é um livro bem confuso, principalmente porque ele não tem divisão entre os pensamentos, cenários e linhas do tempo.
Por vezes, as conversas entre o Santiago e o Ambrósio entram no meio das lembranças, bem como passado e presente se atravessam na narrativa.

Porém, quando você começa a pegar o jeito, começa a gostar muito do livro. Os diversos cenários vão se encaixando e o livro fica realmente muito bom.

Acho que 4 é pouco para ele, mas 4.5 é muito. Eu daria um 4.3, se pudesse.
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Ana Paula 02/07/2013

Leitura para inteligentes
Este livro mexeu com o modo como eu leio os livros. Interessantíssima a ordem como a tramam vai sendo revelada ao leitor. Um livro para pessoas inteligentes e sensíveis.
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Thiago Ernesto 01/12/2014

O Retrato da América Latina no Rabo de Um Cão
Se não fosse o cãozinho de Anita ser sequestrado pela carrocinha, Santiago Zavala não iria se dirigir ao canil municipal e não reveria seu antigo conhecido, ex-motorista de seu pai, o negro Ambrósio. Se não fosse esse cão, tão pequeno, os dois não se reuniriam na Catedral e não rememorariam todo o passado de suas vidas, do Peru, e da própria América Latina. Quantos cães são necessários para a América se encontrar?
Com um estilo de vanguarda, digno representante do "Boom Latino-Americano", Mário Vargas Llosa, reconstrói tudo que houve ou ainda há de mais podre na política peruana. Um livro para aqueles que insistem em encher a boca de merda para proclamar que os militares deviam voltar. É pura ignorância acreditar que os governantes trabalham para o povo. O que há na verdade é um jogo de interesses que ocorre por trás do pano da política.
Fora a aventura política o romance de Llosa é fantástico pela forma como o autor desconstrói o personagem principal durante todo o romance. Zavalita parece ser o único em toda obra a agir por si mesmo. Embora acabe "arruinado", é o único que parece não ter abrido mão de si próprio em prol da política ou do dinheiro.
Admito que sempre tive uma resistência com Llosa, mas CONVERSA NA CATEDRAL foi um belo acerto. Llosa, aquele liberal, anti-comunismo, distante, que parece perseguir os cachorros dessa América.
Arsenio Meira 01/12/2014minha estante
É isso, Thiago! Zavalita é um personagem eterno, inesquecível. Parabéns. Abraços
Arsenio


Leo 09/08/2018minha estante
Vale lembrar que na épocade Conversa no Catedral Llosa era comunista




EduardoCDias 24/03/2020

Confuso maravilhoso
Santiago encontra, após muitos anos, o antigo motorista do seu pai. Sentados num bar chamado Catedral, regadas a muita cerveja, a conversa se desenrola com muitas revelações, lembranças e emoções. Política, poder, sexo, traições, manipulações, tudo se mistura na revelação do passado. Misturando diálogos, às vezes no mesmo parágrafo e idas e voltas na história, no começo o desenrolar é um tanto confuso, mas começa a fazer sentido após algumas páginas. Escrito com muita sensibilidade e com personagens fascinantes, entrou para os meus favoritos.
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Lucas 21/09/2020

Os nós-cegos, os espelhos e a decadência: Um romance histórico em sua essência, mas diferente de todos os outros
"Em que momento o Peru tinha se fodido?". É este o (conhecido) mote condutor do primeiro parágrafo de Conversa no Catedral (1969), e que acaba sendo o cerne de toda a obra: uma busca em encontrar respostas temporais para quando e como a República do Peru e os personagens principais do livro tiveram suas existências desviadas de uma vida estável e adequada. E, seja no sentido literal ou por meio de ficção, é desafiador construir uma história que rememora o passado em busca de respostas plausíveis a este "desvio".

Sorte do leitor que o peruano Mario Vargas Llosa (1936-) assume esta missão, e com a categoria que o fez ser laureado com o prêmio Nobel de Literatura em 2010 (ele é um dos seis latino-americanos já vencedores do prêmio, o único ainda vivo), tem-se Conversa no Catedral, um dos seus melhores livros, fruto de cerca de três anos de trabalho.

Seja por este rótulo de escritor reconhecido mundialmente, seja pelo fato de já ter tentado ser presidente do seu país (perdeu as eleições em 1990 para Alberto Fujimori (1938-), que depois estabeleceu um regime autoritário), Llosa é o mais capacitado não só para montar uma narrativa tão peculiarmente maravilhosa, como também de olhar para o seu país de origem, o Peru.

Poucas nações no mundo, não apenas na América Latina, possuem uma diversidade cultural tão vasta quanto o país andino. Sede do Império Inca (cuja capital era a atual Cusco), quando os espanhóis ali chegaram em 1532 não encontraram índios aparentemente desamparados e que "precisavam" ser catequizados, mas sim avistaram uma sociedade organizada e monumental, com cerca de 14 milhões de habitantes, que ocupava todo o atual Peru e partes do que se entende hoje como Venezuela, Equador, Chile e Bolívia. Os incas eram excelentes agricultores, capazes de irrigar áreas agricultáveis da Cordilheira dos Andes, com mecanismos próprios muito avançados para a época.

Conversa no Catedral não se debruça necessariamente sobre estas questões de colonização, mas sim sobre as condições resultantes delas, que são em parte responsáveis pelas frequentes brigas políticas internas dos países da América Latina, que fazem parte da história da região e que se acentuaram no século XX. A ditadura do general Manuel Apolinário Odría (1896-1974), que durou de 1948 a 1956, é o pano de fundo narrativo da obra.

Se Mario Vargas Llosa é preciso em fazer esse detalhamento da ditadura de Odría (que certamente exerceu forte influência sobre o autor, então menino e posteriormente adulto), ele é criativo na mesma medida em inserir na parte ficcional da obra uma gama de personagens que reflete o povo peruano daqueles anos. Em parte preocupado com o regime ditatorial (apoiado por grandes empresários e pelos Estados Unidos) e também preocupado com movimentos de esquerda (como a Aliança Popular Revolucionária Americana – APRA), o povo peruano era "massa de manobra" para a consolidação do poder ditatorial. Llosa muito destaca este mecanismo do regime, assim como a sua reiterada corrupção (mais até do que torturas ou coações, a corrupção é o principal elemento de ligação entre inúmeros personagens).

Aliás, são dezenas de personagens, que estabelecem relações entre si, e outros que, num primeiro momento não aparentam nenhuma relação, mas que, num estalar de dedos, a narrativa trata de estabelecer uma ligação até próxima demais muitas vezes (são geniais estes momentos de "elucidação"). Mas, sucintamente, a parte ficcional de Conversa no Catedral gira em torno de três personagens: Santiago Zavala, o "Zavalita", protagonista, Ambrosio Pardo (motorista) e Amalia Cerda (empregada doméstica).

Contudo, nada é sucinto em Conversa no Catedral, nem tanto pelo tamanho (são quase 600 páginas na excelente edição da Editora Alfaguara) mas principalmente pela forma fragmentada que a narrativa é construída, que faz a obra ser monumental em termos estruturais. São vários núcleos com vários personagens e "objetivos" diferentes dentro do escopo da ficção ou da descrição da sociedade peruana. Estes núcleos não são tratados individual e simetricamente: eles se misturam, às vezes numa mesma frase, muitas vezes num mesmo parágrafo ou diálogo e assim por diante.

A chamada "narrativa fragmentada" ou termos similares que aparecem quando se busca uma opinião alheia sobre Conversa no Catedral é o grande baluarte da obra, aquilo que o leitor não conseguirá esquecer, especialmente se este for o primeiro contato com Mario Vargas Llosa. Estas análises falam em "misturas temporais", "passado e presente num mesmo parágrafo", "linguagem atropelada" e outros termos que, num primeiro momento podem deixar o leitor previamente desconfiado, especialmente se ele for excessivamente racional (como este que escreve...).

Mas poucas coisas são tão prazerosas neste universo de experiências literárias do que a quebra de um paradigma pré-concebido ou de um ceticismo que se revela infundado. Conversa no Catedral destrói estes pré-conceitos de uma forma mágica. Indo direto ao ponto, a narrativa de Llosa é realmente tudo isso que foi citado no parágrafo anterior, mas, longe de causar confusão, oferece uma experiência única de leitura. É como se a narrativa seguisse uma linha entendível, calma, de repente há alguma menção ao passado, alguma manifestação de um personagem que não estava na "cena", mas que possui sentido tanto para ela quanto para a retomada do contexto em que este personagem estava inserido. É um recurso muito usado em séries ou filmes, mas que o autor sabe trabalhar muito bem em termos literários, como aqui se constata. Passado e presente se misturam e não causam a menor confusão, mas sim encantam indelevelmente.

O próprio ponto de partida de tudo que será contado pelas linhas da obra, que é o encontro de Santiago Zavala com Ambrosio, que era motorista do seu pai, é o exemplo mais perfeito disso. Zavalita se encontra com Ambrosio aproximadamente uma década após terem se visto pela última vez. Como tinham muito o que conversar, resolvem ir para o Catedral (daí o título, no masculino), um bar de categoria discutível situado em Lima. Isto acontece no primeiro capítulo, mas o teor e a totalidade da conversa entre os dois não é revelado ali, mas sim aos poucos, durante praticamente todo o restante do livro. Quando o leitor menos esperar, haverá alguma transcrição da tal conversa que abre a narrativa, o que confere a ela uma genialidade bem peculiar.

Esta criatividade de Llosa ajuda a tecer um painel preciso da sociedade peruana dos anos 50 até o final dos anos 60. Ela se consolida na peculiar construção narrativa, que traz elementos históricos e sociais da ditadura de Odría e seus pares (como o controverso Cayo Bermúdez, baseado em Alejandro Esparza Zañartu (1901-1985), que foi ministro do interior durante o regime) e todo um emaranhado de jogos políticos e acordos obscuros entre membros do regime e alguns elementos da classe alta; o papel da repressão e suas variações no processo de dominação; o aspecto revolucionário/esquerdista, presente nas universidades; a aleatoriedade da vida, que nos joga para lá e para cá...

O painel político e social que Llosa pinta se confunde com a ficção de suas linhas, baseadas naquela sensação colorida, cheirosa e nostálgica que é a essência da literatura latino-americana da segunda metade do século XX (o estilo do autor aqui nada tem de realismo mágico, contudo). Santiago e a relação com seus pais e irmãos é o principal símbolo disso: seu pai, Don Fermín Zavala é uma das principais "pontes" entre a ficção e a realidade peruana exaltada no romance, como bem sucedido empresário com interesses obscuros (e vários mistérios); seus irmãos, o pretensioso e inicialmente responsável Chispas e a, inicialmente esnobe, Teté, ilustram a evolução dos indivíduos, o amadurecimento natural que a vida ocasiona; e Dona Zoila, sua mãe, simboliza o espírito de "matrona" superprotetora, cujo apego exagerado nem sempre é saudável.

De uma forma geral, é o núcleo familiar de Zavalita que é o "centro" do emaranhado labiríntico narrativo de Conversa no Catedral. Este círculo é o ponto de partida de outros personagens marcantes, como os já citados Amalia (a empregada cuja história é marcada por dificuldades) e Ambrosio (de origem humilde e com algumas posturas polêmicas). Acaba este círculo também sendo o grande destaque do elemento "novela mexicana" presente na obra, marcado também pelas menções a amores não resolvidos, amores lascivos, cantoras em declínio, prostitutas que já tiveram dias melhores... É uma das marcas do romance: tudo é mostrado em seu auge e em sua decadência.

É temeroso descrever todos os núcleos narrativos: eles se confundem, tem vida própria, parecem procurar outros para tornar a narrativa presa, não num sentido linear, mas com vários nós cegamente amarrados. Nenhum personagem isoladamente é o fio condutor de tudo, apesar de ser com Santiago Zavala que o leitor poderá se identificar mais, não necessariamente por ser o protagonista. E, outro ponto, Zavalita não faz rigorosamente nada para ter esse posto, mas sim o seu olhar para o que lhe rodeia, que vai se alterando com as experiências que a vida lega-lhe. Esta é uma conquista do narrador, onisciente e impessoal, mas que conversa com os personagens para reforçar ou esclarecer uma ideia.

Conversa no Catedral é, numa tentativa deficiente de rotulá-lo em poucas palavras, um romance de espelhos. Zavalita vê em Ambrosio, guardadas as devidas proporções, um espelho de si próprio, uma repetição de enredos marcados por pequenas ascensões, alguns traumas não resolvidos e decisões erradas. O contexto que é retratado do Peru faz do país um espelho dos seus vizinhos sul-americanos. A conversa dos protagonistas, fonte principal de todo o romance, traz esta impressão e acaba por revelar ao leitor algo muito maior e mais complexo, com vieses sociais e históricos: é todo um país descrito em linhas vivas, com personagens inesquecíveis retratados sem a preocupação com finais felizes.
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Mariana 31/08/2021

Peru
Conversa no Catedral foi uma leitura desafiante, pelo tamanho do livro, pela complexidade dos inúmeros personagens, pelo uso intenso do discurso indireto livre, e pelo cenário político de fundo.
Na narrativa, o autor abusa da polifonia, isto é, temos os personagens falando juntos, todos ao mesmo tempo. O narrador é apenas um centro organizador de tudo.
Não é um dos meus livros preferidos de Vargas Llosa (prefiro As Travessuras da Menina Má ou o genial Lituma nos Andes), mas é uma bela obra.
Alê | @alexandrejjr 09/09/2021minha estante
Ele é complexo, realmente, e isso pode afastar muitos leitores - inclusive alguns que já gostam do autor em narrativas mais simples. Atualmente, esse é o meu segundo livro favorito - perdendo apenas para "Viva o povo brasileiro", que eu descobri que você também não gostou muito, aparentemente. Diferenças à parte, é sempre enriquecedor ver opiniões diferentes da nossa sobre um mesmo livro.




Deco 17/05/2013

Desiludido com a realidade atual
Duro. Duro ver o quanto a obra, este livro, retrata o que vejo quando olho a minha volta, o Brasil. Mais, a dureza vista na sociedade e a dureza vista na intimidade das pessoas. São duas personagens centrais, Santiago e Ambrosio. Santiago, nascido em berço explêndido (posição social, educação, famíla estruturada, etc.) e Ambrosio, o pária desta mesma sociedade. Formalmente, aqui a beleza estética do livro, eles se encontram e iniciam uma conversa no Catedral, um bar-restaurante, até ao final do livro. As narrativas, diálogos, as vozes narrativas se entrelaçam na conversa dos dois, a sacada formal do livro. Li em alguma entrevista recente do autor que foi o livro mais difícil que escreveu, não se quanto a natureza fatalista, do Santiago, ou do quanto esforço estético lhe foi escrever o romance. Santiago, tendo tudo diante de si, vamos dizer, se dá mal. Se dá mal aos seus olhos e aos olhos dos outros. É minha personagem escolhida. Identificação intensa. Daí, o peso. O destino dele no meu. Arre, a personagem que se prende, mesmo que momentaneamente, a você. Sei que passa, vai passar. Ambrosio, na sua ingenuidade, quase pura - não há pureza nas relações humanas no romance, quase se salva. A pergunta, quem gostaria de ter levado a sua vida? Conversa. Conversas.
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Jacy.Antunes 11/09/2022

Relações Perigosas
Brilhante como sempre, o autor nos transporta para a mesa ao lado no bar Catedral, onde Santiago encontra Ambrósio, ex motorista de seu pai e eles revisitam em longas conversas os 30 anos da vida política do Peru. Com um desfecho surpreendente, esse é um dos meus livros preferidos de Vargas Llosa, ao lado do Tia Júlia e o Escrevinhador.
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Veri 26/10/2021

Uma montanha maravilhosa!
Conversación en La Catedral (Conversa no Catedral), Mario Vargas Llosa. O livro de quase 600 páginas eu encarei no original em espanhol, e no Kindle. É uma empreitada, mas eu AMEI. Vargas Llosa para mim é sempre uma surpresa. Já teve livro como esse, que eu amei, mas já teve livro que eu abandonei - coisa que é muito rara para mim. A leitura no começo é bem complicada. É uma quantidade enorme de personagens e os parágrafos transitam entre situações diferentes sem nenhuma transição, como um quebra cabeça embaralhado. Quando terminei o terceiro capítulo tive que voltar para o primeiro, e comecei a anotar os nomes, porque não tinha entendido nada. Mas quando chegou no fim, li os três primeiros capítulos de novo, pela terceira vez, e o círculo se fechou, porque começo também é o fim? O fio principal é o encontro de Santiago Zavala com Ambrosio, que havia sido motorista de seu pai quando ele era criança. Os dois vão para o Catedral e voltam no tempo, reconstruindo os passos deles e de incontáveis personagens e do Peru, até chegar no momento do encontro. Foi uma montanha, mas como toda montanha, conquistá-la é uma delícia.
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Leo 09/08/2018

Em que o momento o Brasil se fodeu?
"Em que momento o Peru tinha se fodido?"

Com essa pergunta se inicia o romance Conversa no Catedral, de Mário Vargas Llosa, uma das obras mais...uhmm...brutais que já li.

A sensação ao fim é ambígua. Se por um lado existe a satisfação da grande literatura, por outro a mensagem deixa um soco no estômago, um gosto amargo na boca.

O livro se passa no Peru e retrata a ditadura militar de Odría (48-56). É incômodo como vários aspectos daquele regime ditatorial, representados na ficção, são perceptíveis na pretendida democracia atual: manipulação dos votos, perseguição a opositores, meios de comunicação viciados, impunidade. A sensação de que tudo podem os poderosos e que se foda o resto.

Tudo piora quando se lembra que um dos líderes das pesquisas para a presidência defende orgulhoso uma ditadura nos mesmos moldes da peruana. E que muitos de seus seguidores bateriam palmas para o vilão Cayo Bermúdez.

Em que momento o Brasil tinha se fodido?
É inevitável que a mesma pergunta nos ocorra.

No âmbito individual, a obra não é mais otimista. O protagonista, Santiago Zavalita, burguês, privilegiado, representa um profundo niilismo, angústia, sensação de impotência, de não ter controle sobre coisa alguma.

A culpa de nascer rico alimenta seu desespero, motivado pela própria incapacidade de promover as mudanças que deseja, seja na sociedade, na política ou na própria vida: sempre será um branco rico vivendo em uma sociedade de mestiços pobres.

"O que seria melhor: a solidão ou a humilhação?"

A pergunta feita por Zavalita revela a desesperança na mudança real nas vidas daqueles que pouco tem em países como o Peru da década de 60...ou o Brasil do século XXI.

A dor que ele sente é a mesma que a nossa.

Conversa no Catedral é uma obra prima que explícita da maneira mais brutal as nossas feridas, as veias abertas da América Latina, latentes, dolorosas, que se observavam a cada vez que se ouve sobre a desesperança do povo nas eleições, no governo, na política, no próprio povo.

Resta saber se serão mais Cem Anos de Solidão, cem anos de humilhação, ou se o futuro nos reserva coisas melhores que as expectativas de Mário Vargas Llosa ao finalizar seu livro.
Alê | @alexandrejjr 01/11/2018minha estante
Baita resenha, cara!


Leo 05/11/2018minha estante
Valeu, mano :)




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