Lucio 25/05/2018
Anima = Magnum Opus Divinitatis
Este é outro tratado do 'primeiro Agostinho'. A obra consiste num diálogo quase que 'socrático', com cadência de argumentos, digressões elucidativas e analogias. Agostinho vai falar sobre o que é a alma e quais são seus poderes, i. e., o que ela faz. Curiosamente, o tema da liberdade não é explorado aqui - senão timidamente no final -, sendo legado ao 'Livre-Arbítrio' e outros títulos.
Basicamente, a alma é algo imaterial. Agostinho se vale de analogias da geometria e das virtudes para provar a realidade de algo imaterial e, assim, justificar a existência imaterial da alma. Ao demonstrar seus poderes ele arremata a questão sobre sua existência 'separada', real, imaterial. Como imaterial, ela não pode ter as propriedades das coisas materiais e, assim, não pode ser quantificada, ter extensão e assim por diante. Evódio - o mesmo do 'Livre-Arbítrio', levanta uma série de objeções para tentar provar que a alma tem que ter extensão, e Agostinho rebate a todas com maestria - excetuando, talvez, o último argumento, o 'argumento da lagartixa', mas mesmo na insuficiência do argumento, Agostinho se dá bem apontando o porquê de uma esquivada não implicava em abandonar o que já haviam conseguido. Explora-se o poder da alma da sensação com um pouco mais de cautela do que quaisquer outros poderes. A razão é ilustrada em termos de elucidação e distinção da sensação. E a própria sensação é tema subordinado à ideia de extensão da alma, pois Evódio julgava que a alma precisava ter extensão para poder sentir por todo o corpo.
O tratado é mais filosófico do que teológico. De fato, teólogos terão pouco proveito para a discussão teológica em si, senão em Antropologia Teológica e essa na medida em que precisar da Antropologia Filosófica na tarefa da Teologia Filosófica. A porção final, dos sete graus de potência da alma, apresenta interessantes considerações morais e teológicas, podendo ser a parte mais apreciada por teólogos com interesses menos metafísicos e 'abstratos'.
O método paulatino, socrático e não raro digressivo poderá intimidar o leitor não acostumado às abstrações. A sequência com que Agostinho encadeia os raciocínios - embora estes sejam breves - pode desestimular o leitor que espera algo mais literário ou mesmo poético, como as Confissões. Agostinho até coloca partes que sugerem uma reprodução exata de um diálogo real, o que dá um certo ar de literariedade ao texto, mas mesmo assim ele ainda pode não ser o texto mais sugerido para alguém que não possua interesses acadêmicos.
Para a Psicologia agostiniana o livro é indispensável. Amplia-se o tema da sensação, e. g., com argumentos e perspectivas que não se encontram em outros textos. Agostinista, agostiniano e afins não podem deixar de ler! Teólogos não perderão seu tempo ao ler, mas não se faz absolutamente necessário. Quanto aos demais, que leia quem estiver curioso! É Agostinho. Não tem como ser ruim!