Vania.Cristina 18/03/2024
Vida moldada como barro
O livro me surpreendeu pela sua intensidade e violência. Me admira que seja considerado, por alguns, literatura infantil, porque ele possui gatilhos para maltrato em animais.
Esse é um clássico sensível, profundo e belo. A escrita de London é poética, cheia de imagens impactantes.
A narrativa retrata um período da história estadunidense: o da busca do ouro no Alaska, no final do século XIX. Começa na floresta selvagem, acompanha a vida dos índios, depois o mundo do homem branco.
O protagonista é um lobo selvagem em processo de domesticação, e toda a história vemos pelo ponto de vista dele. E isso é muito bem trabalhado, com empatia e objetividade racional, e nos guia a uma aventura por uma perspectiva diferente e única. A meu ver, antropológica e etológica. Acompanhamos como aprende o cérebro do lobo, diante dos desafios que lhe são apresentados.
Oportunidade de contrapor a natureza instintiva, ancestral e selvagem, que existe em cada um de nós, com o mundo humano das diferentes culturas.
A obra faz parte da corrente literária do naturalismo, influenciada pelas descobertas de Darwin, e propaga o pensamento de que o meio ambiente determina o caráter do indivíduo, seja ele um homem ou um lobo, mesmo diante de nossa natureza ancestral.
Na história, os índios dão ao protagonista o nome de Caninos Brancos. O mundo selvagem o moldou em meio à fome e à violência, isso o tornou um forte sobrevivente. Com a capacidade de resiliência desenvolvida, surge uma inteligência rápida e perspicaz. Em sua natureza selvagem encontra uma força descomunal. O isolamento e a solidão, tornam-se sua proteção. Força e inteligência fazem com que Caninos Brancos se destaque para os humanos diante dos outros animais.
Mas alguns homens podem ser muito cruéis, e estes, se não conseguem ser cruéis com outros homens, serão com os animais...
Através dos olhos de Caninos Brancos, vemos as diferentes classes sociais e etnias, e como vivem no Alaska, diante de tantas dificuldades.
Conhecemos a técnica dos trenós puxados por cães, e entendemos que esses animais, os únicos domésticos na região, não passam de meras ferramentas para o índio.
Percebemos como o ser humano parece um Deus aos olhos dos animais, pela sua capacidade de controlar os objetos inanimados e fazer deles ferramentas para mudar o mundo.
Para o animal, não importa o motivo das coisas acontecerem, apenas saber como elas acontecem para aprender como reagir a elas e sobreviver.
Com Caninos Brancos aprendemos que a vida é o exercício da liberdade, mas também é o das privações e limitações, que têm força incontestável de lei.
Ou seja, um belíssimo livro, um potente exercício de empatia.
Observação: Essa edição antiga ajuda muito a visualizar a época e as culturas, trazendo ilustrações, fotos e notas explicativas. Ela resistiu bem ao tempo porque é em papel couchet. Folhas brancas brilhantes, no entanto.