jota 10/03/2021BOM (viajando pela Índia com insônia e sem pressa de encontrar o amigo desaparecido)Lido entre 06 e 08/03/2021. Avaliação: 3,8/5,0
Noturno Indiano (1984) mostra que a forte ligação que Antonio Tabucchi (1943-2012) mantinha com Portugal não se limitava à tradução de Fernando Pessoa para o italiano ou às aulas de língua e literatura portuguesa que ministrava na universidade de Siena. Foi em Portugal que situou sua obra mais conhecida e admirada, Afirma Pereira (1994), sobre o fascismo ali reinante no final da década de 1930. Não foi diferente aqui: é português, Xavier Janata Pinto, o amigo perdido há tempos na Índia (onde é muito fácil alguém se perder), atrás do qual o narrador sai em busca, indo até mesmo a Goa, antiga colônia portuguesa encravada na Ásia.
Mais do que essa busca por Xavier, o narrador parece querer se perder na Índia, levar o leitor consigo nessa viagem um tanto insólita, como de certo modo dá a entender o escritor Gonçalo M. Tavares (de Jerusalém). Ele faz o elogio de Tabucchi e de Noturno Indiano na apresentação da editora Cosac Naify, que tenho em mãos. Esse noturno do título sugere que as coisas na Índia nem sempre são exatamente o que aparentam ser a princípio. Que os fatos se passam em meio a um cenário nebuloso que confunde o observador, como uma névoa que depois se dissipa e só então permite enxergar a realidade como ela é, de fato. Então, dizer que a Índia é um país envolto em mistérios pode ser um clichê antigo, mas também é uma verdade.
Lê-se rapidamente o livro de Tabucchi: é curto, não tem nem cem páginas, está dividido em três partes com capítulos curtos e para mim a primeira foi a mais interessante. Nela temos um ocidental chegando num país completamente diferente do seu, encontrando tipos humanos diversos, lugares luxuosos e outros paupérrimos e sujos, gente altamente espiritualizada mas vivendo num sistema de castas, enfim, mais ou menos aquela Índia que grande parte das pessoas tem na cabeça, eu também. Depois, aqui e ali ele despeja algum humor no texto, alguma frase ou diálogo espirituoso, ou então surpreende o leitor com a surpresa que toma conta do próprio narrador ao descobrir que não era exatamente um macaquinho de estimação que um garoto portava consigo numa parada de ônibus. É muito fácil confundir-se na Índia, perder-se por lá também...
Resumindo Noturno Indiano nas palavras que o próprio autor escreveu na Nota do início: “Este livro, além de uma insônia, é uma viagem. A insônia pertence a quem escreveu o livro, a viagem a quem a fez.” Insones de todo o mundo que não são escritores podem, pois, viajar impunemente pela Índia através das páginas deste livro e de tantos outros...