Fabio Shiva 26/07/2018
"poema podre"
Esta é a segunda obra que leio do grande Ferreira Gullar, em seguida à sua impactante “A Luta Corporal”. Aqui encontrei o Poeta mais comedido e circunspecto, bem diverso do selvagem lutador de MMA, com sua poesia jiujiteira que nos agarra pela gola e já parte para um mata leão. É que mais de trinta anos separam “Barulhos” de “A Luta Corporal”. Lá estava o inflamado poeta concretista, no auge de sua juventude, e aqui temos o poeta maduro, depois de ter passado por inúmeros caminhos poéticos (inclusive a literatura de cordel).
Em “Barulhos”, encontramos um Gullar muito sensibilizado pela questão da morte, tanto a própria quanto a dos amigos, que são lembrados em várias e tocantes elegias. A preocupação com a mortalidade está presente da mesma forma no instigante conceito do “poema podre”, da poesia que se apresenta como uma fruta apodrecendo. E também, em um vislumbre que considerei diametralmente oposto, na conversa que o poeta estabelece com os amigos mortos, percebendo na Poesia a possibilidade de perceber uma continuidade para a existência após a morte física (coisa que o marxista Gullar não pode admitir).
Ainda assim, há algo de indelével e marcante tanto no jovem e furioso poeta de “A Luta Corporal” quanto no reflexivo e por vezes tristonho senhor de “Barulhos”, que falam de uma linda e inspiradora caminhada de vida, onde a Poesia é sempre guia e fiel companheira de viagem.
Amei todos os poemas deste livro, mas destaco “O Lampejo” como belíssimo exemplo da verve deste que é um dos maiores Bardos de nossa terra. Viva Ferreira Gullar! Viva a Poesia!
“O LAMPEJO
O poema não voa de asa-delta
não mora na Barra
não freqüenta o Maksoud.
Pra falar a verdade, o poema não voa:
anda a pé
e acaba de ser expulso da fazenda Itupu
pela polícia.
Come mal dorme mal cheira a suor,
parece demais com o povo:
é assaltante?
é posseiro?
é vagabundo?
frequentemente o detêm para averiguações
às vezes o espancam
às vezes o matam
às vezes o resgatam
da merda
por um dia
e o fazem sorrir diante das câmeras da TV
de banho tomado.
O poema se vende
se corrompe
confia no governo
desconfia
de repente se zanga
e quebra trezentos ônibus nas ruas de Salvador.
O poema é confuso
mas tem o rosto da história brasileira:
tisnado de sol
cavado de aflições
e no fundo do olhar, no mais fundo,
detrás de todo o amargor,
guarda um lampejo –
um diamante
duro como um homem
e é isso que obriga o exército a se manter de prontidão.”
Roda Viva com Ferreira Gullar:
https://youtu.be/JOZIS-_Pwxo
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