spoiler visualizarBrujo 01/05/2023
Aventura Militar ou Distópica?
No ano de 1959 era publicada em duas partes a história "Starship Soldier" na revista "The Magazine of Fantasy & Science Fiction", escrita por Robert Anson Heinlein. Posteriormente, naquele mesmo ano, a história foi publicada em livro com o nome de "Starship Troopers", que foi coroado com o famoso prêmio Hugo em 1960.
O livro narra o crescimento de Ruan "Johnny" Rico, um descendente de filipinos, na infantaria móvel (ou somente IM no livro) da Federação Terrana, o governo militarista terrestre (que, aparentemente, está unificado). Neste governo, apenas são considerados cidadãos, com direito de voto, aqueles que cumprirem um período de 2 anos dentro das forças armadas. Apesar de soar como uma ditadura (talvez até seja, Heinlein não se aprofunda neste aspecto), qualquer um, homem ou mulher, pode servir para conseguir a sua cidadania.
Apesar do que pode parecer, esta não é uma história recheada de muita ação. O livro abre com uma incursão das tropas da IM a um base dos seres conhecidos no livro apenas como "magrelos", uma raça aliada dos "vilões" da história, a raça insetóide do planeta Klendathu. Porém a narrativa volta no tempo para nos contar, em primeira pessoa, toda a trajetória militar de Johnny Rico, desde o momento que decide ingressar na IM contra a vontade dos pais até o momento que ganha uma tropa com seu nome, os "Rudes de Rico".
O treinamento do protagonista é o que toma cerca de 70% do livro. Talvez esse seja um aspecto que não agrade a todos, pois o autor descreve com detalhes minuciosos exercícios militares, trajes de batalha tecnológicos e até mesmo a hierarquia e esquema de disposição das tropas. De ação mesmo, temos apenas o início e o final do livro. Tratando ainda do roteiro, a grande guerra contra os insetos é deflagrada durante a finalização do treinamento de Rico, quando os insetos conseguem guiar um asteróide para a Terra, destruindo a cidade de Buenos Aires, onde estava a mãe do protagonista. Este último detalhe é interessante pois alguns leitores levantaram a seguinte questão: como é que os insetos moveram um asteróide para acertar a Terra? Se essa é uma habilidade que eles possuem, porque só foi utilizada uma vez? A teoria de alguns destes leitores é que o choque do meteoro foi uma fatalidade cósmica, mas que a Federação Terrana utilizou o fato para atacar os insetos, por questões territoriais. Essa é uma teoria bastante aceitável se percebermos que a única vez que vemos os insetos atacando é neste impacto de meteoro. Depois, só vemos os humanos atacarem os insetos em suas bases. Além disso, em determinado ponto do livro, um oficial diz que as duas raças estão em guerra disputando territórios e a soberania do universo.
Este livro está envolvido em uma espécie de polêmica, pois alguns colocaram nele o rótulo de fascista por conta da questão do voto ser concedido apenas a militares, mas essa não é a minha opinião. O que eu acho é que, como uma ficção com ares distópicos, este é o mundo criado pelo autor. Cabe a você, leitor, decidir se acha isso correto ou não.
Mas uma coisa eu devo admitir: o autor retrata no livro as forças armadas de forma até inocente: todos são honrados e incorruptíveis, estão no exército apenas para defender o planeta, sem interesses pessoais. Quase um Bope intergaláctico. Isso pra mim nem é algo que deva ser discutido, é um fato, pois o livro retrata de forma apaixonada os oficiais e tem diversas citações militares reais espelhadas por todo o livro. Se pensarmos que a obra foi escrita não muito depois da Segunda Guerra Mundial e que Heinlein já havia servido por um tempo na Marinha, acho que dá pra entender este teor do livro. Mesmo a visão de mundo do autor foi mudando com o passar dos anos, haja vista que o outro grande clássico do mesmo, "Estranho Numa Terra Estranha" (1961), era uma obra adorada pelo movimento Hippie.
Outro aspecto interessante é as discussões sobre ética, moral e juventude transviada que o livro traz, através das aulas das quais Rico participa, sempre ministradas por professores muito sérios e íntegros. Você, como leitor, pode muito bem concordar ou discordar das questões abordadas, mas é interessante ao menos pensar com calma sobre estes tópicos.
Quero destacar também a qualidade da escrita de Heinlein, que não é um dos três grandes da ficção científica sem motivo. Apesar de, como eu disse, o autor passar boa parte do livro tratando sobre treinamento militar, a linguagem foi fluída e não me deixou entediado em nenhum momento. Observei também como a mudança na forma de falar é convincente quando muda de um soldado para um dos oficiais. Além disso, o livro é forrado de ótimos conceitos, que foram utilizados à exaustão pela cultura pop posteriormente. Vou destacar três deles: 1.) Os trajes de batalha tecnológicos que ampliam os atributos físicos de quem as utiliza e possuem comunicação interna avançada. Basta lembrar que em 1963 surgia na Marvel o Homem de Ferro. Posteriormente, jogos como Metroid, Bioshock e Halo se valeram do mesmo conceito; 2.) Alienígenas insetóides: podemos lembrar do filme "Aliens" de 1986 ou dos alienígenas da Ninhada de X-Men; 3.) Inteligência de colméia: o primeiro uso que me vem à cabeça é a raça de Borgs de Star Trek.
Para finalizar, eu digo que esta é uma obra que deve ser conferida, por ser uma das mais importantes do Sci-fi clássico e por ter influenciado tanta coisa após o seu lançamento. É claro que, se me perguntarem, eu direi que prefiro obras que abordam a temática da guerra com um viés mais crítico e menos inocente, como fez Kurt Vonnegut no maravilhoso "Matadouro 5" (1969), por exemplo.
Ah, já ia quase esquecendo: há uma adaptação para cinemas deste livro lançada em 1997 pelo diretor de Robocop, Paul Verhoeven... Mas esse filme é tão ruim, que eu precisei de duas tentativas pra conseguir terminar de vê-lo. Os atores são patéticos de tão ruins, principalmente o protagonista. Mostre o filme para um adolescente com hormônios em ebulição e você vai entender o pouco sucesso que ele atingiu à época...
TS: Nektar - ...Sounds Like This (1973)