Ygor Gouvêa 23/04/2021EMMAEmma não é um romance, no sentido romântico do termo, é um livro sobre uma mulher, que dá título à obra. Uma mulher complexa, cheia de contradições, uma mulher que faz escolhas, de personalidade forte, são muitas dentro de uma. Mulher decidida, de ideias e valores bem definidos, toda sua força a torna incomoda pra muitas pessoas, seus valores ainda hoje geram contrassensos. Uma mulher que se vê completa, realizada, que não destina ou espera sua felicidade em um homem, em um relacionamento, que a princípio nem cogita a possibilidade de se casar, muito menos de ter filhos. Seus defeitos são também suas qualidades, ou melhor, muitas vezes provém de suas qualidades, por seus excessos. Seus erros vêm de muito amar, confiar, valorizar as pessoas que lhe são importantes; de se exceder em bem quereres, em brincadeiras a princípio inofensivas. Não é uma personagem estática, passa por muitas revoluções internas, mas resisto a uma ideia simplista de evolução, é uma personagem de rica e contraditória vida interior, como Austen mesmo diz, a perfeição é chata, desagradável, não é de fato um objetivo, muito menos possível, uma visão assim, dados os desdobramentos da obra a limitariam a uma personagem distanciada da vida, a um tipo, edificaria o casamento.
É claro que ao falarmos de uma obra de Jane Austen não podemos deixar de lado sua ironia. Ao falar de Emma, ao circunscrever o romance às suas restritas relações sociais, ela esmiúça as engrenagens que movem a vida social da época, como um autêntico romance de costumes. Através de uma fina ironia, de um bem colocado humor sardônico, ela retrata e escancara a intrincada rede de relações sociais e econômicas da época, evidencia suas contradições e a crítica, como a grande observadora das deficiências, vaidades e mesquinhez de seus semelhantes.
Emma é uma obra de fato muito rica. Seus diálogos são belamente construídos. Seus personagens são reais, mesmo os que são utilizados para uma espécie de alívio cômico e consequente crítica social, que se aproximam mais de tipos, possuem outras camadas, como a melancolia de seu pai, que os tornam facilmente identificáveis. Seu texto é dúbio, opaco, sempre aberto a possibilidades; isso reforça uma característica de seus personagens, possibilita que de maneira crível suas perspectivas sejam tendenciosas, que interpretem sua realidade de acordo com seus anseios e temores, acreditem em imagens viciadas. Por tudo isso é uma obra de primeira grandeza e seus desdobramentos são muito naturais.