Val Alves 10/07/2020
Mãe judia
Mãe judia, 1964 faz parte de um trabalho de três grandes autores brasileiros (Luis Fernando Verissimo, Zuenir Ventura e Moacyr Scliar) com a mesma temática: o golpe militar de 1964 que destituiu João Gourlat e instaurou o regime autoritário que vigorou até 1985.
São histórias independentes e que trazem uma carga ficcional e dramática sobre esse período obscuro.
O conto de Scliar narra a trajetória de uma mãe de origem judia que teve o filho vitimado pela perseguição da ditadura.
Ela é uma mulher incrível, mas apesar disso - e como todo adolescente - tinha suas inseguranças quando jovem. Se olhava no espelho e odiava a rigidez do próprio rosto. Não sabia ela que a vida realçaria ainda mais essa rigidez... Dizia -se louca e sofria de alucinações, muitas delas pareciam ora querer perturbar-lhe o espírito ora promoverem um abrigo à hostilidade do mundo ao redor.
Apaixonada por livros- especialmente por Machado de Assis- desde a adolescência, frequentava a biblioteca como seu lugar de refúgio contra a realidade. Desejava ardentemente a felicidade descrita nos livros e, muito tarde, já na vida adulta, descobre que felicidade plena é algo impossível de se alcançar.
A seguir um trecho da conversa entre duas mães: a mãe judia de Gabriel e a mãe dos cristãos:
"Talvez isso não te agrade muito, mas desisti dessas esferas superiores, aquelas nas quais vives e que me parecem distantes, inacessíveis. Vamos resolver as coisas por aqui mesmo, decidi. Fiquei mais prática, sabes? Mais prática. Deus não é importante, conclui; comida é importante, roupa é importante. Troquei o sublime pela realidade. E, apesar de estar em sua presença, devo dizer que não me arrependo. Fiquei prática. Prática e louca. Estranhas essa combinação?
Mas esta é a vantagem da loucura: dá para combinar com qualquer coisa, até com o espírito prático, e eu fiz isso muito tempo. Só não quis a santidade. Tua santidade, francamente, não me interessa."