Décio Jr 26/03/2014
Praga Cemitério Eco
Quase toda a história se passa na França, num cenário parisiense, em março de 1897, onde desenrola-se uma trama que também percorre os territórios de Turim e Palermo. Nas paisagens do livro circulam complôs, enganos, falsificações e assassinatos, um jovem médico prescrevendo terapias à base de hipnose e cocaína, judeus que querem dominar o mundo, uma satanista, missas negras, fraternidades malignas, os documentos falsos, jesuítas que conspiram contra maçons, Garibaldi e a formação dos Protocolos dos Sábios de Sião. A significância do livro se caracteriza com personagem principal, pois, ''Cemitério de Praga'' é como o Simonini chama a sua maior e mais querida conspiração judia.
Encontrei nestas páginas intrigas que contrapõem jesuítas e maçons, a sociedade secreta dos carbonários e seguidores de Giuseppe Mazzini, filósofo e político italiano, os quais assassinavam padres estrangulando-os com suas próprias tripas, a figura de um Garibaldi com artrite nas pernas oblíquas, projetos elaborados por agentes secretos piemonteses, franceses, prussianos e russos, a carnificina provocada pela Comuna de Paris, quando as pessoas se alimentavam de ratazanas ou eram apunhaladas. Na época eram comuns as terríveis assembleias de bandidos, que consumiam absinto enquanto planejavam motins públicos.
O protagonista da história é fictício... Capitão Simonini, é um falsificador de primeira, que também faz às vezes papel de espião. Seu trabalho consiste em inventar histórias, que tenham fundo de verdade ou que seja verossímil o bastante para que quem ler acredite que possa ser real, e também consistem em criar documentos que dêem créditos a essa história. Simonini é a única figura inventada no romance. Ele é um italiano glutão que vive em Paris odiando judeus, mulheres, maçons, jesuítas e a vida em geral. O livro conta uma obscura trama por trás da criação dos execráveis Protocolos dos Sábios de Sião, uma conhecida falsificação geralmente atribuída ao serviço secreto da Rússia czarista, a Okhrana, que foi fruto e serviu como motivação para o antissemitismo generalizado da época e de parte do século XX. Assim, o Autor criou um falsário que se torna agente secreto repentinamente a certa altura do livro, e odeia tudo e a todos - principalmente mulheres.
O livro é ilustrado com os feuilletons daquela época, e é contado através dos diários do Capitão Simonini, cujo qual está com um problema; ele não sabe se tem alguém morando na casa que é interligada a dele, ou se ele ficou louco e adquiriu dupla personalidade, e para determinar se está louco ou não, ele começa a escrever a história da sua vida. Logo o seu vizinho, ou seu Alter ego, começa a fazer observações nesse mesmo diário, completando história que Simonini parece escrever onde ele se vê numa crise de personalidade ao encontrar anotações de um certo abade Dalla Piccola em seu diário, e que parece querer dialogar com ele. Ele passa então a utilizar os métodos do Doutor Föide, como terapias a base de hipnose e cocaína, para descobrir a possível gênese de seu problema de dupla personalidade: e propõe uma regressão linear de todos os atos importantes do seu passado. Mas nem sempre você tem certeza de em qual tempo o personagem está...
É possível ver uma série de personagens que realmente existiram além dos momentos verdadeiramente interessantes - como o plano para explodir uma figura histórica, em meio às Revoluções de 1848 – embora existam partes monótonas, colocadas lá para testar a resistência da leitura (detalhes, ricos detalhes de cenas...). O autor é cheio de ideias boas, mas não às coloca numa trama coesa e empolgante. O resultado é um ritmo arrastado e excessivamente quebrado e linear. As descrições tediosas vêm das ruas, e restaurantes vêm junto, descrições minuciosas da gastronomia, já que seu personagem principal odeia sexo, mas adora comer. Quando Simonini vai jantar, trás junto à leitura receitas de comidas italianas da época, com descrições ultra-detalhadas de cada ingrediente e do modo de preparo - em vírgulas e mais vírgulas.
Trás também entre linhas, um tratado sobre o mecanismo do ódio, e espécie de síntese da história do preconceito, pois ele sempre tenta incluir os judeus na base de todos os problemas que conhece, mas é um ódio da época e, portanto nutre por essa raça/cultura/religião. Chega a ser doentio, mistura-se personagens históricos a um anti-herói fictício, cínico e maquiavélico, capaz de tudo para conseguir se vingar de padres, jesuítas, comunistas, mas, principalmente, dos judeus. Repleto de teorias da conspiração, falsificações, assuntos maçônicos e detalhes da unificação italiana, é no antisemitismo que repousa o coração da narrativa.
O cemitério de Praga também lembra um dos mais impressionantes episódios de falsificação da história: Os protocolos dos sábios de Sião, um texto forjado pela polícia secreta do Czar Nicolau II para justificar a perseguição aos judeus. Os escritos, que se acredita terem sido baseados em um texto francês - Diálogos no inferno entre Maquiável e Montesquieu - descreviam um suposto plano para a dominação mundial pelos israelitas. E serviriam de inspiração a Hitler para os campos de concentração.