Michele Soares 19/03/2021
Sob a sombra do loureiro, sob o olhar dos deuses.
E pensar que toda essa história encontra como ponto de partida o desejo de rivalizar com um quadro avistado em Lesbos, especificamente no bosque sagrado das Ninfas, por um caçador/narrador. Muitos trechos são verdadeiras pinturas, como os animais marítmos furiosos junto com Pã tocando a siringe de guerra, o funeral pastoril de certo personagem, as epifanias dos deuses, o jardim Dionisofones e o lamento pelas flores, a descrição riquíssima dos campos e do passar das estações... tudo é extremamente belo! e não poderia ser menos, considerando que esse é um dos "The big five" dos romances de amor que sobreviveram até a nossa era.
Essa é uma história de amadurecimento que consegue ser divertidissima, mais do que qualquer comédia grega, uma vez que boa parte das piadas desta custam a ser recuperadas, enquanto sobre aquela ao partir dos dramas universais sobre desejo, inocência e maturidade, com todas as glórias e todas as dores e todos os risos, por sua vez, nunca deixa de ser atual, leve e hilária.
Apesar de dialogar muito com os domínios de Afrodite, são as Ninfas, ao lado de Pã e de Eros (quem sabe até de Dioniso, se forçamos mais a barra) que se destacam no romance. Gostei muito de ver esses deuses "menores" em posição de destaque.
Outra a coisa a destacar, a última, é a influência de toda uma tradição pastoril, muito misteriosa e problemática pra nós, mas que podemos encontrar alguns vestígios já no século III a. C. em Ânite de Tégea no epigrama, Teócrito e seus idílios (influencia de peso aqui), Mosco e Bíon. Depois vem Virgílio e dá os seus dois centavos também sobre o assunto com suas "Bucólicas". O romance tem muito de onde beber, sem ficar atrás em nada. Recomendo muito a leitura e tradução da Denise Bottmann, que não é direta do grego, mas sim do francês. Apesar disso, é uma tradução muito boa e uma das únicas que temos atualmente em língua portuguesa.