Gisele @abducaoliteraria 18/05/2019Faz muito tempo que eu desejava conhecer Guerra Sem Fim, principalmente com a relação que as pessoas fazem dele com Guerra do Velho, um dos meus livros favoritos de sci-fi. O prefácio é justamente de John Scalzi, revelando que ainda não havia lido Guerra Sem Fim quando escreveu sua história de estreia, e tudo não passou de uma feliz coincidência. Apesar de me surpreender e vibrar em diversos momentos do livro, infelizmente ele também apresentou algumas situações que me incomodaram bastante.
William Mandella está entre os primeiros soldados a serem convocados para lutar contra um inimigo desconhecido. O primeiro contato que a humanidade faz com uma raça extraterrestre não termina bem, pelo contrário. Os impulsos ocasionados pela dificuldade de comunicação entre as raças acabaram desencadeando uma guerra que levaria séculos para acabar. Através de Mandella, acompanhamos o início dessa jornada denominada Guerra Sem Fim.
Toda a empreitada que os soldados realizam é estritamente fatal. Antes mesmo de se verem frente a frente com ao taurianos, nome destinado aos alienígenas, o treinamento se mostra rigoroso, porque eles precisam se adaptar aos equipamentos e lidar com armas complexas e letais. Erros não são permitidos, um único passo em falso pode resultar em diversas mortes.
As viagens são realizadas através dos colapsares, pontos no espaço que funcionam como um buraco de minhoca, que transporta a nave para uma área distante do universo em poucos instantes. É aí onde temos o ponto alto da nossa história, enquanto os soldados passam poucos meses fora da Terra, ao retornar, vários anos já podem ter se passado. Alô, fãs de Interestelar.
Tenho certa inclinação para gostar de ficção científica militar, mas o universo apresentado por Joe Haldeman é consistente e instigante, e foi isso o que mais me empolgou num primeiro momento. Mesmo que as informações dispostas sejam bastante complexas e formam um nó no seu cérebro, o universo é tão sólido que você acredita que tudo faz sentido.
"Após tudo aquilo, passei um longo período repetindo para mim mesmo que não havia sido eu quem, tão alegremente, tinha retalhado aquelas criaturas amedrontadas e em fuga. No século 20, estabeleceu-se, para satisfação de todos, que ?eu estava apenas seguindo ordens? era uma desculpa adequada para condutas desumanas? Mas o que fazer quando as ordens vêm das profundezas do inconsciente, que nos governa como marionetes?"
O autor tenta também transportar sua vivência da Guerra do Vietnã para as páginas do livro, por isso há diversas críticas relacionadas a guerra propriamente dita. O maior paralelo está na dificuldade que Mandella encontra de se encaixar novamente na sociedade quando ele retorna para casa. Após dois anos longe, quase trinta se passaram quando ele volta para a Terra. Tudo está extremamente mudado, então ele se vê na difícil tarefa de se adaptar, considerando profundamente a ideia de voltar a se alistar.
No entanto, à medida que Joe Haldeman avança e dá um passo à frente, no mesmo instante ele também é capaz de retroceder dois passos. Apesar do universo fazer nossos olhos brilharem, Joe falha em aplicar alguns conceitos extremamente preconceituosos e estereotipados à narrativa, alguns relacionados às mulheres, mas principalmente com relação aos homossexuais. Eu tentei levar em considerações vários fatores, em especial a época em que o livro foi escrito e cheguei a uma única conclusão: mesmo que ele seja considerado um clássico (não tiro seu mérito por isso), o livro não envelheceu bem.
Talvez essas sejam uma das resenhas mais controversas do blog. Como é possível gostar e não gostar tanto de um livro ao mesmo tempo? Tiveram inúmeras partes onde eu me vi absolutamente sugada pela história, onde qualquer fã de ficção científica iria se deleitar. Em contrapartida em outras partes? eu simplesmente quis fechar o livro e esquecer o que estava ali. Guerra Sem Fim tinha potencial para se tornar um favorito, mas não consegui ignorar o que me tirava da história o tempo todo.
Além disso, o desenvolvimento dos personagens também fica devendo. Nós vemos toda a história através dos olhos de William Mandella, mas em nenhum momento eu me senti próxima de verdade a ele. Talvez isso acontece um pouco nas últimas páginas, mas eu esperava me importar mais com o personagem. O foco da narrativa estava na guerra e em suas estratégias militares, que apesar de serem extremamente interessantes, também havia possibilidade para desenvolver melhor os personagens. Por outro lado, me ver distante deles foi uma estratégia interessante, porque era como se o próprio Mandella estivesse isolado. Em outras palavras, sozinho.
A narrativa também apresentou altos e baixos. Temos um ótimo início, abafado por um miolo arrastado, mas Joe Haldeman reservou o melhor para o final, que é eletrizante. O desfecho ganha até mesmo uma carga dramática bem-vinda, que emociona e encerra muito bem o livro. Tudo isso me fez sentir pela história, porque ela poderia ser muito mais do que realmente é, se não fossem algumas de suas ideias ultrapassadas. Para fãs de ficção científica, se preparem para uma trama que irá proporcionar momentos de puro deleite, mas não se sintam pressionados a ignorar aquilo que realmente incomodá-los.
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