Dalton 07/07/2010
Um livro fraco e ruim - resenha detalhada
Essa resenha é negativa. Acredito ser assim o mais honesto para iniciá-la, mas, minha análise busca ser justa.
Primeiramente, pode não parecer relevante (mas é), a linha lógica de minha argumentação a seguir baseia-se em uma visão de mundo católica apostólica romana, respeitadora da liberdade de escolha dos ateus e tolerante a outras religiões, mas ácida frente a ateístas proselitistas, que misturam sua opção de visão de mundo, com a arrogante verdade suprema. É fato, e não nego, que acredito seguir a senda da verdade, mas não desmereço a opção de terceiros discordarem e nem exijo que concordem. Apenas espero, que se forem criticar, que o façam com um mínimo de habilidade, profundidade e inteligência. Ou seja, superficialidade e pobreza no “proselitismo” eu considero uma afronta. E disso este livro está cheio.
Vamos à resenha...
O livro “Fome” de Tibor Moricz trabalha com um cenário pós-apocalíptico temporalmente localizado muitos anos depois de um evento destrutivo X (muito pouco explorado e referenciado, não adiantarei qual é, embora não seja original) em que a total e completa falta de estrutura civilizacional, tanto no contexto de estruturas físicas, como cidades, políticas como governos, produtivas, no caso economia e mais básicas, como a família, “levaram” a humanidade a um estado permanente de FOME, em que a única “comida” disponível são outros humanos, numa situação instalada de sobrevivência do mais forte/adaptável/esperto.
A seguir tópicos de crítica:
Linguagem –
1 - Um texto altamente adjetivado que busca incansavelmente impactar o leitor por meio de sistemáticas referências a morte, sujeira, nojeira, destruição, amoralidade, crueldade, maldade, luxúria, comportamentos animalescos etc etc etc. Ou seja, foca-se na apresentação objetiva da “Nojeira/circo dos horrores/escatologia” que “é a humanidade” em uma situação limite, para que o leitor “entre no clima” do livro. O que só faz do livro enfadonho, pelo menos para mim, visto que prezo alguma profundidade filosófica no que leio, senão dos personagens, do narrador, do contexto ou das reflexões apresentadas nas entrelinhas (aliás, considerei o recurso no mesmo nível de baixa qualidade, do apresentado no Ensaio sobre a Cegueira de Saramago) . No caso de FOME a única reflexão apresentada, onipresente, repetida a exaustão é: “o homem é vil cruel, baixo, impuro e na condição de necessidade, invariavelmente correrá para o comportamento animalesco e amoral”. Uma reflexão que, infelizmente, não sai disso e que até quando apresenta uma contraposição, a fundamenta em superficialidades/falhas humanas (nunca, claro, uma verdadeira meada de “bondade”), como no caso do conto “O Renitente”, que na prática, é uma ode a “teimosia humana” que ironicamente presenteia seu portador com alguma “dignidade”, pelo menos para nós, que não estamos inseridos no contexto do mesmo.
2 – As frases são curtas, de rápida leitura e superficiais. O livro pode não ter como proposta ser o “novo futuro clássico” da literatura em língua portuguesa, mas primar pelo aspecto, aparentemente apenas funcional e consumista (provavelmente na medida para os “novos leitores”, fiéis consumidores de “Trash Sellers”, pouco treinados pelos seus autores favoritos a pensar/refletir em algo em quanto lêem) só reforça seu ascetismo na construção de um histórico positivamente agregador de leituras. No modelo apresentado, com tal conteúdo oferecido, o livro não traz reflexões significativas e não traz um estilo diferenciado, é apenas rapidamente consumido (talvez aos incautos cause algum impacto pelas “ escatologias apresentadas com tanto empenho”) e depois de terminado nada adiciona. Funcionando como um chiclete azedo, mastigado, mastigado, mastigado e cuspido sem deixar contribuições relevantes ao mascador.
3 – O uso de estereótipos – É a base do conto, em todos os aspectos, tanto ao tratar de religião, como ao construir os personagens, que são apresentados como pseudo-humanos, extremos em suas características em, talvez, resposta a um mundo de extremismos. Uma opção de linha organizacional do “enredo” que não prima pela originalidade, é bem executada em sua teoria, mas que causa cansaço com o passar dos capítulos.
Ideologia –
1 - Darwinismo selvagem- o autor baseado no advento do apocalipse X constrói uma realidade em que a humanidade regride na sua TOTALIDADE a uma condição de penúria, não só física, como intelectual, civilizacional, moral e humana. Não escapando ninguém, NINGUÉM (talvez a exceção do “O Renitente”, já mencionado acima, e que o autor tratou de “superficializar”). Uma definição de enredo pobre, que não é encontrada em muitos boas (depende de cada um, claro) obras nesse contexto. Desde o “Exterminador do Futuro” (apocalipse nuclear e guerra contra máquinas exterminadoras) à até, e de forma nenhuma menos relevante, o livro “A Estrada” de Cormac McCarthy , prêmio Pulitzer de 2007, em que após um apocalipse X (X mesmo, pelo menos eu não descobri o que “queimou o mundo no enredo”) ainda sobram pessoas descentes, uma resistência, bem diferente da do enredo que embala o Blockbuster de Cameron, sob ordens de O’Connor, mas ainda sim alguma humanidade em um mundo pobre nessa riqueza. FOME, lima essa possibilidade, se agarra a uma ode a violência e baixeza humana como linha “original” de enredo. Uma chatice deprimente. Que poderia trazer reflexões, muita aliás, mas fica só no show de horrores, que brinda o leitor com estupro, assassinato, estupro e pedofilia etc etc etc.
2 - Parasitismo humano – Não é de hoje na história dos enredos apocalípticos que a civilização desapareça por falta de alguém que trabalhe para mantê-la. Pessoalmente tenho, de cabeça, como melhor exemplo um livro que muito gostei em seu estilo e habilidade de contar uma história pós-apocaliptica com sobreviventes, no caso o “Só a terra permanece” (R.S. Stewart ), mas que simplesmente odeio em seu final. Motivo? Um personagem, com curso universitário, com um mundo inteiro a suas mãos, apenas vazio pois a humanidade morreu vitimada por uma doença, ao invés de organizar o reflorescimento da mesma, lega a comunidade que “refunda” o arco-e-flecha! Motivo??? As crianças não se interessavam muito por estudar!! Podê??
E porque cito esse exemplo? Pois FOME apresenta uma humanidade, com sua civilização destruída, em que os homens funcionam só e apenas como parasitas. Uma humanidade varrida por uma apocalipse X, mas que apenas consome paulatinamente os restos de si mesma, até que só sobrem os próprios indivíduos a serem consumidos. Uma humanidade sobrevivente composta de personagens como o de Stewart, mas que não tem um novo futuro “brilhante” de milhares de anos de redescobertas e re-sofrimento pela frente, apenas um presente e futuro de sofrimento, o qual abraça, simplesmente não utilizando o cérebro para nada, que não seja deixar a situação chegar ao limite. Algo impensável, tendo em vista a NATUREZA humana, que não é a vendida pelo personagem de “Só a terra permanece” do “bom Selvagem” e também não é a de Moricz.... é a natureza da adaptação e da resolução de problemas. “Sobrevivemos” a uma era glacial, numa época muito anterior ao desenvolvimento tecnológico, a humanidade, ou pelo menos parte, sobreviveria a um hecatombe X, a não ser que a Terra fosse tragada pelo Sol.
3 - Anticristianismo – O aspecto mais patente do livro e o mais relevante para minha crítica negativa é o que menos é necessário aprofundar.
O autor cria sua versão estereotipada da religião, da religiosidade, da moralidade e do seu sentido na vida humana. Nesse contexto ficcional de destruição, demência e perdição, o autor apresenta a religião como um antigo ópio do povo, utilizada para manipular fracos e desesperados, mas que no novo contexto, no agora, de FOME, é utilizada como uma armadilha aos incautos e idiotas, manipulados e conduzidos na senda da “geladeira” dos espertos de boa lábia ou loucos fervorosos. Estes por sua vez (ambos) visualizam e/ou constroem toda uma pseudo-religiosidade, em que se sentem “enviados divinos” ou “ferramentas de Deus” e que como “pagamento” ou “parte de sua atuação no plano divino” tem os corpos dos “atendidos” como “prêmio”.
E assim o autor, na medida de suas capacidades de produção ficcional, trabalha um texto atolado até o peito na defesa ideológica da religião como uma chaga da humanidade, como um elemento senão desnecessário, no contexto de FOME, apenas mais cruel e vil, pois “utilizada como isca, pesca otários por meio da pouca bondade que lhes sobram”.
Como citei antes do início da resenha, nada tenho contra reflexões anti-religiosas baseadas em algum tipo de bom senso ou inteligência. A linha anticristã (mais do que apenas anti-religiosa) de FOME é claramente superficial e pobre, replicando nas entrelinhas noções juvenis e sem a menor seriedade. Infelizmente pelo pouco que conheço do autor por outros textos e posicionamentos, essa superficialidade reflexiva não se apresenta como uma característica do livro, como uma espécie de “estratégia marqueteira de enredo atinada com o melhor da ideologia politicamente correta de patrulhamento antiocidente e posição anticritã”, na verdade, é um reflexo do que crê o autor, uma pena, pois é raso.
Enredo – Previsível, aliás, preocupantemente previsível, tendo em vista a experiência como leitor que o autor com certeza possui. Passei o livro adivinhando com tremenda facilidade os finais dos contos, um a um, com exceção (devo ser justo) de “O Renitente” que tinha certeza que ia acabar com mais uma morte e não acabou. Senti-me em um repeteco de “Avatar” (nada a ver com a história) no quesito “prever a obviedade”, aliás detesto esse filme, não bastasse ser anticristão, ecopanteísta, comunonaturalista, anticapitalista, antimilitarista babaca e antiocidental, ainda se dá ao luxo de não inovar em nada (fora nos gráficos). Com tanto dinheiro enterrado naquela porcaria, custava o Cameron gastar alguma coisa na feitura de um roteiro descente???? Custava a Tibor utilizar seu amplo leque de formação em Ficção Científica, literatura e experiência e fazer algo minimamente inovador??? Ficam as perguntas.
Em síntese, o livro é ruim. E a Tarja que me desculpe, mas a qualidade gráfica deste produto deixa muito a desejar. Como amante de literatura e atencioso colecionador de livros, tive o desprazer de lidar com uma edição que soltou pedaços. Tive de arrumar. Pensarei melhor antes de comprar outro livro da editora, ainda que conheça alguns bons exemplos de qualidade da mesma empresa.
Obs: O que me levou a escrever uma resenha tão grande foi a decepção com a qualidade que esperava do livro. E o fato de há tempos eu não me decepcionar tanto com uma seleção literária para leitura.