Sergio 16/02/2015
Segurança vs. Liberdade
Bauman é um marxista, e como todo marxista, parte de algumas premissas bastante questionáveis aos olhos dos que não são adeptos do posicionamento ideológico em questão. Porém, mesmo aos que eventualmente tenham problemas com essa linha argumentativa, de maneira geral eu acredito que Bauman é um autor que vale muito a pena ler por ser um teórico bastante honesto em suas colocações, nas quais mesmo eventualmente discordando da abordagem, sempre podemos tirar alguma coisa interessante.
O livro faz várias análises sobre a sociedade contemporânea que remetem ao que eu acredito ser a principal tese das obras do autor, a "modernidade líquida", passando por análises de alinhamento ideológico bastante à esquerda do espectro político sobre o desenvolvimento da sociedade burguesa desde a revolução industrial até aqui, para embasar a tese central do livro de "comunidade" como local de segurança, de pertencimento e acolhimento, em contraponto obrigatório ao conceito de individualidade (o que pode ser entendido tanto como "liberdade individual" como quanto "individualismo").
Esse é o principal ponto do livro: existe uma impossibilidade conceitual de convergência entre segurança (enquanto sociedade 'comunitária') e liberdade (enquanto 'liberdades individuais de escolha'), uma vez que o próprio conceito de comunidade requer um comportamento coletivista que não é condizente com a liberdade individual, ou ainda: a comunidade tem o comportamento coletivo como ponto de partida, não de chegada, e a partir do momento que os indivíduos têm autonomia, eles já não fazem mais parte de uma comunidade, porque a partir do momento que eles podem fazer escolhas, eles não têm mais um comportamento coletivo.
A tese é interessante mesmo aos não-marxistas (que, óbvio, têm que ter em mente que estão lendo um autor à esquerda) justamente porque coloca na pauta da discussão da estruturação da sociedade esse contraponto. A "volatilidade" do que o autor chama de "modernidade líquida" está justamente nesse caráter de incerteza, fruto do desenvolvimento do ideário capitalista. Não existe (ou, não deveria existir) mais um projeto de sociedade final, apenas existe o processo de formação constante da sociedade.
O livro ainda faz uma pequena crítica - quase um comentário com ressalvas - ao pensamento multiculturalista, apontando outro conflito conceitual presente em discussões com divergências bastante significativas inclusive em meios dominados por adeptos do mesmo posicionamento ideológico: se de um lado o multiculturalismo visa respeitar as diferenças culturais, de outro, ele é conivente com injustiças. Entretanto, se de um lado alguém se coloca como bem intencionado no combate às injustiças, de outro, essa pessoa passa a afirmar sua cultura (e, no limite, sua visão de mundo) de maneira autoritária sobre as demais.
Em suma, o livro tem o papel de apresentar enroscos conceituais e contrapontos de projetos - em aberto - de sociedade. Se os argumentos explorados pelo autor com certeza não vão agradar os menos adeptos do pensamento de esquerda pela crítica ao comportamento herdado do projeto "burguês" de sociedade individualista, não deixa de ser relevante pelos contrapontos apresentados. Em contrapartida, se os argumentos vão certamente agradar os adeptos do pensamento de esquerda mais incautos, aos mais atentos também será uma forte fonte de crítica ao caráter autoritário da visão de mundo de projetos de sociedade coletivista.