Marlo R. R. López 23/05/2021'O afinador de piano' foi um verdadeiro achado para mim. Uma dessas experiências de leitura que são puro deleite. Geralmente os leitores reconhecem esses livros especiais antes mesmo de passar das 30 primeiras páginas.
Eu já conhecia o autor através de 'Um país distante', que li há muitos anos e do qual lembro pouquíssima coisa. Mas lembro que a prosa bem cuidada, poética, e o olhar sensível do protagonista para o mundo já estavam lá. Reencontrei esses elementos aqui sem grande surpresa, portanto. Isabel, de 'Um país distante', e Edgar Drake, de 'O afinador de piano', são quase duas faces da mesma moeda.
Daniel Mason gosta de escrever sobre pessoas que se encontram deslocadas de seu lugar de origem porque toparam embarcar em uma jornada de corpo e alma com caráter de "missão" - algo que deve ser feito quase que por um dever moral, e deve ser feito apenas por elas, porque diz respeito a elas e a mais ninguém. Assim Isabel foi atrás do irmão na cidade grande, e assim Drake partiu para a Birmânia para afinar um piano no meio da selva. São destinos e objetivos que se revelam no final das contas muito maiores do que parecem à primeira vista, e esse sentido é construído no caminho, no deslocamento. E é por isso que, nos dois romances que li de Mason, a trajetória do herói se revela muito mais importante do que qualquer ponto de chegada.
'O afinador de piano' é um livro de rara beleza. Embora tenha muita aventura e muita ação (se engana quem acha que não tem), a prosa do autor é muito contemplativa, quase meditativa. É uma escrita poética essencialmente visual, que convida o leitor a mergulhar de cabeça nas florestas birmanesas - sentir os cheiros do lugar, ouvir os sons, ver os nativos nas suas rotinas, apreciar o exotismo da paisagem. Há quem ache esse estilo de escrita maçante, mas para mim foi um bálsamo. Mason encadeia as palavras de modo harmonioso, bonito e sugestivo, e não fiquei cansado em absolutamente nenhum momento. É uma prosa imersiva.
O autor escreveu este livro com 26 anos de idade, enquanto estava morando no lugar para onde seu protagonista viaja, no século XIX. Seu trabalho é um feito impressionante, considerando que estamos falando de um romance de estreia com um volume de pesquisa assombroso e uma história coerente e original, redonda, sedutora. Há veteranos que não alcançam o que Mason alcançou aqui.
É uma pena que a Companhia das Letras tenha deixado de publicá-lo no Brasil.