Isabel 07/03/2013Maik Klingenberg não é bonito, feio, inteligente, burro, popular, nerd – ele é simplesmente sem graça.
Um parêntesis para uma declaração: adoro personagens baunilha. Primeiro porque eles correspondem à maior parte das pessoas que não conhecemos – é difícil falar das aspirações, interesses e habilidades de alguém para quem só se dá “oi”, por exemplo. Mas principalmente porque eles são como telas em branco, em busca de um pintor habilidoso o suficiente para lhe ressaltar as formas, qualidades, defeitos e a tal da profundidade que o leitor e o humano buscam vorazmente. Geralmente, os personagens baunilha são os que mais evoluem nas histórias, e personagens que evoluem me dão uma sensação boa, uma sensação de que vale a pena acreditar nos outros (de vez em quando e com cautela, mas vale).
Provavelmente por ser tão baunilha assim, ele foi um dos poucos da sua sala a não ser convidado para o evento mais esperando das férias: a festa de Tatjana, a menina mais bonita da escola.
Sozinho em casa – o pai viajou a negócios e a mãe alcoólatra está pela milésima vez em uma clínica de reabilitação – e sem amigos, Maik realmente não sabe o que fazer. Eis que surge Tchick – também do time dos não-convidados para a festa – um aluno novo, imigrante russo pobre e bêbado, com um irmão mais velho marginal que lhe ensinou alguns maus hábitos.
Tipo como roubar um carro.
Os dois saem então por uma road trip pela Alemanha, tendo como destino a terra do avô de Tchick. Uma das poucas coisas que não gostei no livro foi a falta completa de bom senso apresentada pelos dois meninos: como se não bastasse dirigir um carro roubado sem carteira, eles foram por estradas desconhecidas sem um mapa. Desculpe, mas não consigo conceber que alguém seja assim aos quinze anos.
Acho que vou ter algumas dificuldades com livros para adolescentes depois de Tchick: eu nem sabia que dava para fazer um desse jeito. Narradores masculinos começam a se tornar comuns, mais nenhum é como Maik – ele é tão falho e meio idiota e sabe disso. Por mais inteligentes que alguns adolescentes sejam, não consigo acreditar em alguém que fale como Hazel, de A culpa é das estrelas, por exemplo. Não dá, não me convence. O autor parece entender isso bem: a narrativa de Maik não é coloquial demais, e sim na medida que se deve esperar. O livro possui diálogos legais e filosóficos, mas assim como Tarantino, Wolfgang Herrndorf parece ter entendido o valor de falar besteira.
Tchick é um capítulo a parte: criado pelo irmão criminoso, ele é ao mesmo tempo burro o suficiente para viajar em um carro roubado e inteligente o suficiente para, em menos de dois anos, passar de uma escola para crianças com problemas de aprendizado a um preparatório para a universidade. De formas diferentes, ele e Maik tem lares problemáticos, o problema os unindo.
Tchick é um daqueles livros fáceis de serem devorados em uma tarde, que se fecha com lágrimas nos olhos – não porque o final foi emocionante, e sim porque acabou. Amo os clichês com todo o meu coração, mas certamente mais um ou dois livros como Tchick por aí não cairiam mal.
Publicada originalmente em http://distopicamente.blogspot.com.br