Alexandra 13/12/2014
A decadência de uma pessoa
“Leite Derramado”, romance escrito por Chico Buarque, ficou famoso principalmente devido ao polêmico Prêmio Jabuti de “Livro do Ano” que ganhou em 2010. Na época, algumas pessoas consideraram injusta a premiação, já que a obra havia ficado em segundo lugar na categoria de ficção. Houve até mesmo pedidos para que Chico Buarque devolvesse o troféu, algo que me soou mais como uma crítica à pessoa de Chico que à sua obra.
De qualquer forma, não li o livro que ficou em primeiro lugar na categoria ficção, então não posso dizer qual eu considero o melhor – e, de fato, pouco importa já que não faço parte do júri. Mas posso afirmar que achei “Leite Derramado” um romance triste e que me tocou profundamente.
A história é narrada por um idoso senhor, com mais de cem anos, que agora se encontra em um asilo. Lembrando de sua vida, a sua memória se embaralha, confunde as enfermeiras com a filha, e a filha com sua mãe. Vindo de uma família nobre - seu avô “fez parte” do fim da escravidão e seu pai era senador -, Eulálio é um personagem em decadência que conta de forma bagunçada episódios que marcaram sua vida, principalmente sobre quando conhece Matilde, sua esposa. Essa é a personagem mais intrigante do livro, não por ser complexa ou difícil, mas porque Eulálio nunca conseguiu apoiá-la e respeitá-la como devia. Sabe-se logo de início que ela morreu jovem, mas as explicações a cerca de como são diversas, algumas mais prováveis que outras.
O próprio título do livro faz referência a Matilde, que após ter uma filha estava com os seios cheios de leite, mas que aos poucos se esvai ao mesmo tempo em que ela vai perdendo a vontade de viver. O leite, que representa a vida, é derramado, desperdiçado. A própria cor do livro, laranja, representa a vivacidade de Matilde, que aparece usando vestidos laranjas. Até mesmo uma carta que tem ligação com ela possui um selo laranja.
A decadência de Eulálio é mostrada também quando conta as histórias do neto, bisneto e tataraneto, pessoas que ele sempre confunde, mas que fazem parte do declínio de sua vida e de sua família, tanto no sentido monetário quanto na parte física e emocional.
Tratando das habilidades do autor, o modo como Chico se transforma em Eulálio para contar essa história é sensacional, dando a impressão de que esse senhor idoso estava falando comigo, com todas suas metáforas, sua mesquinhez e seus preconceitos.
Enfim, essa obra é lindamente triste porque parece incrivelmente real.
“Mas se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida.”
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