Lethycia Dias 14/04/2021ConstrangedorEste livro estava na minha estante aguardando para ser relido vários anos depois da primeira leitura. E é sempre interessante como uma passagem de anos muda completamente a nossa impressão sobre um livro que costumávamos gostar.
"As Esganadas" acompanha a investigação de uma série de assassinatos cometidos contra mulheres gordas, no Rio de Janeiro dos anos 1930. O título refere-se à forma como as vítimas morrem: sufocadas com grandes quantidades de comida que são forçadas por seu assassino a engolir. Quem faz isso, e por que, descobrimos logo nas primeiras páginas, então a história acompanha a investigação tentando compreender e encontrar esse criminoso enquanto ele faz mais vítimas.
Lembro de ter ficado impressionada com esse enredo, com a revelação rápida de quem era o assassino, e de ter me divertido muito com as várias piadas contadas ao longo da história. Minha nova leitura foi bem diferente. Achei não só o enredo, como também o texto utilizado para contá-lo, desrespeitoso com as vítimas e com pessoas gordas em geral. As mulheres assassinadas que têm um curto ponto de vista narrado na história são retratadas como desajeitadas, indefesas, ingênuas, facilmente enganáveis. Atraídas pelo assassino com uma oferta de degustação de doces, são "vítimas da própria gula", como diz o próprio texto do livro. Tudo isso são estereótipos muito comuns sobre pessoas gordas, usados com frequência para ridicularizar e ofender, e é ridículo ler isso como se fosse o "plano genial" de um assassino que se acredita invencível.
Em contrapartida, os crimes são investigados por um quarteto inusitado, formado por um delegado ranzinza, um policial medroso, um detetive português metido a Sherlock Holmes e uma jornalista descolada. As confusões em que o grupo se mete envolvem muitas situações constrangedoras e trocadilhos dignos de um "humor Zorra Total", que fazem parecer surpreendente a rapidez com que o grupo "deduz" quem mata e com que motivo sem obter para isso provas concretas.
O autor faz uma boa ambientação desse Rio de Janeiro de época, aproveitando bem o contexto histórico, citando acontecimentos e pessoas reais e fazendo até mesmo uma relação de referências bibliográficas utilizadas em sua pesquisa. O suspense da história é bem construído, e foi o que me fez continuar lendo apesar de tanta coisa que me incomodava. O final, porém, é capaz de deixar qualquer pessoa envergonhada quando o detetive português finalmente encontra o cruel assassino.
Li outros livros do autor na mesma época da primeira leitura de "As esganadas". Como sei que os demais também seguem o mesmo estilo narrativo, já estou repensando se ainda voltarei a ler essas histórias.
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