Telenovela História e Produção

Telenovela História e Produção Renato Ortiz...




Resenhas - Telenovela História e Produção


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Mauricio 27/11/2017

Um, dois, feijão com arroz
Telenovela, história e produção trata da absorção popular brasileira à indústria cultural frankfurtiana. O horário nobre, na década de 80, se tornou o momento de entretenimento das pessoas, que buscavam na televisão a imersão no supérfluo como fuga aos problemas cotidianos. As novelas se tornaram um espelho às pessoas para a projeção em personagens inalcançáveis, mas que ainda sim lembravam a si próprios. A fórmula generalista conquistou uma preciosa hora dos brasileiros. E ainda se repete, rendendo os mesmos chavões - com aparência de novos - da Grécia Antiga.

Título: Telenovela: história e produção
Editora: Brasiliense
Páginas: 197
Autores: Renato Ortiz, Silvia Borelli, José Ramos

Pensar em uma telenovela é pensar em uma fábrica. É isso que os autores buscam explicar, ainda que haja moderação nessa analogia. Os modelos industriais são bem estabelecidos. A linha de montagem se estende de forma hierárquica e bem delimitada; cada um tem uma função estruturada e definida. A produção é como uma fábrica na Inglaterra no fim do século dezoito: quanto mais cenas, melhor; os autores citam de 30 a 40 por dia (fordismo). Entretanto, há uma racionalização - os editores direcionam tudo de acordo com o gosto do público para não haver excedentes de críticas e consequentemente prejuízo econômico (toyotismo). A crítica marxista é bem composta no texto e se aplica a todo segmento da produção. Ambos mostram que a busca pela maior velocidade é o objetivo, visto que o trabalho degradante, que ultrapasse oito horas, é considerado crime; dessa forma, a velocidade deve ser tão rápida quanto antes, consequentemente, tornando a comunicação pífia e irregular entre escritor e ator. As minúcias do processo para ambientar a Modernidade inteira descrevem precisamente a novela. Os resquícios da Revolução Industrial parecem se sobrepor junto à pós-modernidade, líquida, descrita por Bauman, com a globalização e a flexibilização do mundo; os produtos se tornam tão homogêneos que, culturalmente, uma novela pode fazer sentido para muitos países com diferentes culturas. A sociedade do século 20, segundo Bauman, não teria a vontade de criar raízes ou algo para a posteridade; o consumo momentâneo e imediato seria pregado, não somente pelas pessoas, mas sim pelas grandes marcas, principalmente se formos parar e analisar as companhias telefônicas que acabam por lançar um aparelho novo a cada seis meses. Segundo ele, a liquidez não estaria somente no consumo, mas também em como o ser humano se relacionaria com um igual. Em Amor Líquido, temos a visão do autor de como nós não conseguimos conviver com o mesmo parceiro/a por muito tempo. Há uma necessidade do ser se desligar daquilo que já foi usado de forma exacerbada, e procurar por algo novo, uma nova aventura para si.

Ainda que o capítulo lembre também um produto da indústria cultural - tanto quanto o objeto descrito por eles - pela fragmentação e divisão dos capítulos bem delimitada, lembrando uma das milhares monografias já feitas, os autores parecem conseguir criar um aspecto de reportagem, pelas suas diversas entrevistas com personagens ligados ao cinema, criando maior fluidez do texto. Mesmo citado no texto, é impossível não lembrar de Pierre Bordieu, mais mais precisamente do livro Sobre a Televisão, que explica a forma como a mídia televisiva se dá em uma ordem de poder simbólico, que visa sua própria manutenção pelas restrições econômicas (por meio da publicidade), políticas (pela hierarquia editorial) e temporais (pela restrição às falas importantes); todo processo ocorre de forma inconsciente, inclusive incorporando as telenovelas. Tudo que se precisa fazer é a criar um produto genérico, que possa se deslocar facilmente para todas as direções - de acordo com as preferências e níveis de audiência do público. O mais importante é saber trabalhar com os mesmos sentimentos da Grécia Antiga (o amor, o ódio e o ciúmes), criando diferentes novelas, mas que todas sejam incrivelmente semelhantes umas às outras. Renato e José descrevem precisamente esse processo fazendo um parêmetro com a Escola de Frankfurt, de Adorno e Horkheimer - a sujeição das grandes massas se torna voluntária, diferentemente dos períodos totalitários anteriores, por meio do poder forçado; há uma imposição de uma ‘‘cultura’’ que possa parecer nova por conta dos avanços tecnológicos, mas que nada mais são que formas de enredo repetitivas com alguns fragmentos contemporâneos. É possível perceber pela crítica frankfurtiana que, por meio da industrialização da cultura, na hora de se produzir uma telenovela, sua mecanização é extremamente semelhante à nossa lógica de trabalho - acordamos, trabalhamos, almoçamos, trabalhamos novamente, voltamos pra casa, tomamos banho, assistimos à novela, dormimos; o lazer se torna mecânico e o incorporamos à rotina, de modo que, para ele não nos prejudicar e criar confusões mentais, ele não deve criar nenhum tipo de raciocínio crítico; ele deve tão somente entreter e lembrar nossa vida, que terá seu presente, muito em breve, obsoleto e fútil e completamente esquecido; a zona de conforto ajuda a nos manter em uma linha de montagem industrial: a rotina.

Como um efeito invisível, a alienação é algo que afeta diretamente o telespectador. O monopólio exercido por grandes empresas acaba deturpando o modo como consumimos o material ali exposto e, sendo a história um ciclo, acabamos voltando à Roma antiga e sua política do Pão e Circo. Como no coliseu, somos expostos a vários tipos de encenações, tal qual no final do império em questão. No texto analisado, em 1980, a Rede Globo de Televisão tinha 70% do mercado brasileiro de telenovelas; porém, a mentalidade da época era a curta duração dos seriados, para que a população não tivesse grande proveito. Entretanto, os roteiristas perceberem que seria mais rentável a criação de grandes novelas com grandes roteiros, pois o lucro seria maior e uma memória nostálgica seria criada no telespectador.


Assemelhando-se ao processo cinematográfico da década de 20, as telenovelas foram mecanizadas e padronizadas de maneira muito semelhante. No caso de “Avenida Brasil”, por exemplo, podemos ver um certo padrão que segue-se desde a década de 80, quando o capítulo desse livro foi escrito. No enredo temos uma vilã (Adriana Esteves) e a mocinha (Débora Falabella). Com um certo estigma no ar, Adriana seria tendenciosa e somente fazia o mal para a irmã; ao contrário dela, Débora seria a encarnação do bem. Há uma grande relevância em se criar a atmosfera maniqueísta, algo dual e irracional. Não à toa as novelas - desenvolvidas dessa forma - fazem sucesso nos dois países mais cristãos do mundo: México e Brasil. Também podemos falar de como os homossexuais são vistos aos olhos dos diretores. Até hoje, na história da dramaturgia brasileira, pouco se criou personagens homossexuais que fossem ‘‘do bem’’. A consequência disso? O preconceito sai das telinhas e vem para a vida cotidiana, onde, como em uma Espiral do Silêncio, vê-se a omissão ao debate social sobre um grupo marginalizado - se ninguém fala sobre isso, portanto não existe. Reforça-se assim a ignorância e o conflito sobre um debate invisível culturalmente, mas escancarado socialmente.

Quando os autores buscam explicar o fenômeno novelesco de forma crítica, não o fazem à toa; há a necessidade de, se há o homogêneo, racionalizar o processo. A solução para uma novela menos industrialmente cultural se daria através de uma história consciente, que buscasse tratar de um tema relevante - como por exemplo a homossexualidade - atualmente; a criação de um contexto nacional (como de fato o é, e não como outros países nos veem de fora); e principalmente na busca, por meio do escritor, de um estilo próprio, artesanal, que ache essencialmente no teatro essa solução. Porém, o que é preciso entender é que, mesmo com todas essas mudanças sugeridas no capítulo, a novela vai continuar sendo um produto da indústria cultural. Se há interesses econômicos, o produto não fugirá da lógica de mercado. Ele vai precisar ser vendido e consumido pelo máximo de pessoas possíveis. E o roteiro certamente já foi realizado há décadas em um apanhado de novelas e filmes tão iguais quanto o que se formará.

Percebe-se que, no fim, tudo permanece como duas ou três músicas infantis, que, mesmo depois de muito tempo, não desgrudam da cabeça; são como um chiclete. A diferença é que a música infantil, ainda que seja tão industrial quanto qualquer outro produto, tem a função de alfabetizar. Na vida adulta, os produtos não buscam o utilitário; na verdade, a única utilidade é a busca da manutenção - de qualquer coisa que seja, principalmente a ordem social. E a música começa: ‘‘Um, dois, feijão com arroz; três, quatro, feijão no prato; cinco, seis, falar inglês; sete, oito, comer biscoitos; nove, dez, comer pastéis.’’ e pode-se falar quantas vezes quiser até outra música com roupagem aparentemente nova aparecer e tornar a anterior obsoleta.
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