Ricardo III

Ricardo III William Shakespeare




Resenhas - Ricardo III


48 encontrados | exibindo 46 a 48
1 | 2 | 3 | 4


PC_ 27/05/2014

Pc
RICARDO III – Figura sombria, maquiavélica, porém também sarcástica e mordaz. Seduz seus aliados e os devora assim como seus inimigos. Cativa, confunde, subverte e conduz o jogo a seu favor, por mais adversas que lhe sejam as circunstâncias. Ricardo III nos assombra com sua maldade, nos surpreende com sua habilidade e nos cativa com seu sarcasmo e ironia. Não há como ficar impassível a essa figura, quer sejamos espectadores ou leitores da peça. Baseada na luta pelo poder de duas casas reais, York e Lancaster, oriundas da mesma dinastia ( Plantageneta), a peça retrata a trama de Ricardo para chegar ao poder.

Particularmente prefiro a obra Ricardo III a Hamlet, porém a peça Ricardo III é bem mais difícil de compreender do que Hamlet, pois aborda o contexto histórico da guerra das rosas e narra fato histórico ocorrido, a luta fratricida das casas de York e Lancaster e a efetiva tomada do poder por Ricardo, após a morte do irmão, Eduardo IV. Há também, como elemento complicador, a questão do grande número de personagens, a repetição de nomes na realeza ( ex: Eduardo – filho da Rainha destronada Margareth, Eduardo IV, irmão de Ricardo, cujo pai também se chamava Ricardo, Eduardo príncipe e Ricardo , seu irmão, filhos de Eduardo IV). Outras dificuldades são inerentes a todas as peças de Shakespeare , como vocabulário empregado, a forma poética e as longas falas dos personagens, mas que, embora dificultem, não impedem a compreensão do espectador ou do leitor desta ou de qualquer outra obra, pois afinal tratam de temas universais, que são a luta pelo poder e tudo que isto envolve, como traição, violência, guerra e todos os questionamentos existenciais, como respeito à vida, limites à conduta humana, moral, etc...

Valem como dicas:

- uma rápida consulta a sites como wikipedia, por exemplo, pode ajudar rapidamente a entender ou relembrar o contexto histórico da guerra das rosas. Outra pesquisa que ajuda muito é sobre a genealogia da família real inglesa – árvore genealógica das famílias York e Lancaster. Atualmente pode ser encontrada também no wikipedia, dentro do assunto guerra das rosas, como apêndice. Vale a pena consultá-la durante a leitura da peça.

- pesquisar as recentes descobertas arqueológicas sobre Ricardo III, a reconstituição de seu rosto e sua doença, escoliose idiopática, responsável pela forma física temerária em que foi descrito por Shakespeare.

- Al Pacino filmou um ensaio sobre essa peça, em forma de documentário, é interessante ver e compará-lo com a interpretação de outros atores em peças que já tenhamos visto ou com a imagem que construímos em nossas mentes após lermos a peça.
Natalie Lagedo 09/03/2017minha estante
PC, esta sua resenha está fantástica! Como sempre, você tem ótimas dicas para facilitar e aproveitar melhor a leitura. Há muitos anos li Otelo e amei demais (preciso reler e vou fazê-lo em breve), agora li Macbeth e estou fascinada. Lerei ainda este ano Ricardo III. Estou com altas expectativas.




Claire Scorzi 06/06/2011

Um vilão mítico
Talvez por intimidade de longa data com a versão cinematográfica, sempre achei a leitura de "Ricardo III" bastante fácil; e, por conta dessa facilidade, acho, gosto muito de ler e reler a peça. Consigo 'ouvir' os diálogos claramente (outra vez, a intimidade prévia com a peça via cinema). Ricardo III deve ser o vilão shakespeareano mais odiado e mais prazeroso de odiar. É vilão vilão: feito pra ser execrado.

Críticos como H. Bloom parecem ver essa característica como uma 'caricatura' de mau caratismo. Não importa: para mim, funciona. Odiamos Ricardo, cuja biografia histórica não deixa de gerar questionamentos. Robert Louis Stevenson não resistiu e aproveitou-o como vilão em sua novela "As duas rosas" (The black arrow).
comentários(0)comente



Fabio Shiva 28/10/2010

Meu reino por um cavalo!
Esta frase célebre, fora de seu contexto, não revela o brilho e a força do gênio criativo de Shakespeare. Pois nessa única frase está sintetizado o mais poderoso estudo sobre a ambição humana que já tive a oportunidade de conhecer.

Altíssimo brilho, catarse sublime! A tragédia é um estilo fora de moda em nossos tempos, substituída que foi pelos terrores diários dos jornais televisivos. Mas as chacinas, corrupções e catástrofes com que somos bombardeados pela mídia são um pobre substituto para as obras inspiradas por Melpômene, a musa da Tragédia. Pois não há aprendizado e nem crescimento em testemunhar um sofrimento sem sentido.

Ricardo III é a segunda melhor tragédia de Shakespeare. Só perde para Macbeth, em minha opinião. As duas têm muito em comum, e principalmente uma característica que considero a mais alta expressão literária. Eu já havia detectado essa característica em algumas poucas e muito queridas obras, de cabeça agora lembro de Sobre Meninos e Lobos do Dennis Lehane. Mas foi só agora, ao ler pela segunda vez Ricardo III, que pude definir melhor que característica é essa.

No entender de Hermann Broch (autor de Os Inocentes), toda obra de arte deve expressar uma totalidade. Isso é admiravelmente alcançado em um romance (ou peça teatral) quando o autor consegue ligar efetivamente cada ato a sua consequência, cada ação ao seu resultado. Uma história esteticamente perfeita, percebo agora, é a que retrata bem o misterioso e inescapável conceito de karma (palavra em sânscrito que significa ação).

Ricardo III é um poderoso exemplo dessa totalidade. Que obra!!!

O LADO NEGRO DA FORÇA

A peça é repleta de passagens de grande lirismo, com a alta poesia sendo utilizada para retratar o lado mais sombrio do homem.

O cinismo de Ricardo, por exemplo, é expresso lindamente nessa fala que ele dirige a seu irmão mais velho:

Tenho-te tal amor que dentro em pouco
mandarei para o céu tua alma cândida,
se aceitar destas mãos o céu a oferta.
(Ricardo, Ato I, Cena I)

Ou então nessa passagem em que ele arquiteta casar-se com a mulher do homem que acabou de matar:

Logo tomo
por mulher a mais nova filha de Warwick.
Que importa que ao seu pai e a seu marido
tivesse eu dado a morte? O melhor meio
de dar satisfações a essa donzela
é ficar sendo dela pai e esposo,
o que farei, não por amor, decerto,
mas por um fim profundamente oculto
que preciso alcançar com o casamento.
(Ricardo, Ato I, Cena I)

A cena em que Ricardo faz a corte a Ana é sem dúvida uma das mais marcantes da história da literatura. Ele a conquista durante o funeral do Rei Henrique VI, assassinado por ele:

Já houve, acaso, mulher, em todo o mundo,
que fosse cortejada desse modo?
(Ricardo, Ato I, Cena II)

A FORÇA DAS PALAVRAS

Ricardo III é também um testemunho sobre a força das palavras. É impressionante como o Bardo conseguiu tecer uma trama tão intrincada, onde o destino de cada personagem é antecipado por toda sorte de profecias e maldições. Exemplar é o caso do Duque de Buckingham, que foi ele mesmo o autor das palavras que o condenaram:

O Deus do alto,
que tudo vê, com quem eu gracejara,
fez contra mim voltar a falsa prece,
dando-me de verdade o que eu pedira
somente por gracejo.
(Buckingham, Ato V, Cena I)

O próprio Ricardo demonstra em suas palavras a progressão e amargo fim de toda ambição. Ele começa cheio de gás e disposto a fazer todo tipo de maldade:

Sol admirável,
brilha até que eu adquira um bom espelho
para eu ver com que monstro eu me assemelho.
(Ricardo, Ato I, Cena II)

Logo, porém, ele percebe que se torna um escravo de suas próprias ações infames:

Mas tão metido em sangue ora me encontro,
que um crime provoca outro.
(Ricardo, Ato IV, Cena II)

A LEI DO KARMA

Nenhuma ação humana, boa ou má, permanece sem consequência. Essa é, em essência, a lei do Karma. O plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória, já diz o sábio ditado.

E as pérfidas ações de Ricardo maturam tetricamente e não tardam a produzir horrendos frutos. Cena poderosíssima é a aparição dos fantasmas dos assassinados pela ambição de Ricardo, na madrugada que antecede a batalha. Cada um deles, por sua vez, lança a pesada maldição:

Amanhã pesarei sobre tua alma!
(...) Enche-te, pois, de desespero, e morre!
(vários espectros, Ato V, Cena III)

Ricardo desperta assustado, e pela primeira vez tem um encontro com a voz da consciência:

Ó consciência covarde, tu me assustas!
(Ricardo, Ato V, Cena III)

E chega por fim à triste conclusão:

Desespero; criatura alguma me ama.
Se eu morrer, nenhuma alma há de chorar-me.
Aliás, por que o fariam, se eu não tenho
piedade de mim próprio?
(Ricardo, Ato V, Cena III)


OUTRAS PASSAGENS MARCANTES:

Perdida fora a mágoa
despendida por quem já está perdido.
(Duquesa de York, Ato II, Cena II)

É meu filho, de fato, e o meu opróbrio;
mas não bebeu, decerto, a hipocrisia
no leite destes peitos.
(Duquesa de York, Ato II, Cena II)

Não cedais facilmente aos nossos rogos;
neste ponto fazei como as donzelas
que dizem sempre não, mas vão cedendo.
(Buckingham, Ato II, Cena VII)

Ricardo apenas vive, o negro agente
do inferno, a quem foi dado o triste encargo
de comprar almas para o reino escuro.
(Rainha Margarida, Ato IV, Cena IV)

Veloz como a andorinha é a fé, eu o sei:
de reis faz deuses, de um campônio, um rei.
(Richmond, Ato V, Cena II)

LAST BUT NOT LEAST

Foi uma sorte que justamente essa peça, que eu já havia lido no original, tenha sido a última das oito que li em sequência, na dedicada tradução de Carlos Alberto Nunes.

Pois não tem jeito mesmo: traduzir é trair. Que misteriosa é a linguagem humana, capaz de expressar uma cor única em cada idioma! Nunca fica a mesma cor depois de traduzida. Não é culpa da tradução, e sim uma condição inerente à linguagem!

Ao ler no original em inglês, duas passagens ficaram marcadas a ferro e fogo na memória, tamanha a sua força poética. E ao ler as duas em português, a decepção foi gigantesca!

A primeira é a frase que abre a peça:

Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this sun of York

Que foi traduzida assim:

Ora pelo sol de York o frio inverno
do descontentamento foi mudado
em glorioso verão.
(Ricardo, Ato I, Cena I)

Vixe!!! O que era um soco do Muhammad Ali virou um tapinha do Tiririca!!!

Pior ainda foi a segunda frase, que me marcou tanto que a citei nos dois discos que gravei com a banda Imago Mortis:

I'll join with black despair against my soul,
And to myself become an enemy.

Ficou tão fraquinha em português:

Lanço contra minha alma o desespero,
para inimiga tornar-me de mim própria.
(Rainha Elizabeth, Ato II, Cena II)

A vontade que sinto agora é ler todas as peças de novo, só que em inglês!

Ainda assim, a força de Shakespeare dá e sobra para encantar, mesmo com esses abismos de tradução.

Viva Shakespeare! O Rei eterno da literatura!!!

(28.10.10)

comentários(0)comente



48 encontrados | exibindo 46 a 48
1 | 2 | 3 | 4


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR