Luis 09/09/2017
Entre águias e perus
Nenhum habitante ou país desse imenso e mal tratado planeta, pode se dar ao luxo de estar indiferente aos Estados Unidos. Ao contrário da super potência e seus cidadãos, famosos por tratarem aquele (grande) pedaço de terra ao norte do Equador como o umbigo do mundo. Essa é uma das constatações de “ História dos Estados Unidos da América- das Origens ao século XXI” (Editora Contexto, 2007), um breve e conciso relato sobre as questões cruciais da trajetória do “nosso irmão” do norte, obra assinada a oito mãos por renomados acadêmicos, como o historiador pop Leandro Karnal, que atualmente, junto com Mário Sérgio Cortella, ocupa o posto de palestrante mais requisitado do país. Completam o quarteto, Luiz Estevam Fernandes, Marcos Vinícius Moares e Sean Purdy.
O livro segue a estrutura tradicional das obras do gênero, avançando pela cronologia dos acontecimentos desde a era colonial, passando pela Guerra de Independência, a promulgação da Constituição, a Guerra Civil, a conquista do Oeste, as Guerras Mundiais e a Guerra fria. Mas as semelhanças param por aí.
Na verdade, os autores estabelecem uma análise que foge do lugar comum da glorificação ou da demonização do “American Way of Life”. As próprias interpretações clássicas que permeiam episódios como a Guerra de Secessão (1861 a 1865) são desafiadas em favor de uma abordagem menos maniqueísta, que, embora esteja longe de esgotar o assunto, até por se tratar de um volume de meras 288 páginas, abre um leque de possibilidades para novos estudos que, em conjunto, possam abarcar com mais precisão a complexidade do tema.
Interessante notar que embora vendam essa imagem até no nome, os Estados Unidos foram germinados no solo da contradição, um caldeirão prenhe de múltiplas visões que em raras oportunidades se harmonizam. O livro foi publicado em 2007, mas o noticiário recente parece confirmar essa tese, como os eventos de Charlottesville, o que só valoriza o trabalho de Karnal e dos demais pesquisadores.
Embora os capítulos não sejam assinados, há uma unidade no estilo e na didática ao longo do texto o que o diferencia de uma coleção de artigos, como a princípio poderia parecer. Tal detalhe torna a obra ainda mais palatável para o público leigo, não necessariamente especializado em história, o que é outro acerto.
Chama a atenção ainda, uma exposição mais crítica e realista sobre os avanços sobre as terras indígenas. Contaminados por filmes de faroeste comprometidos com uma visão oficial, inconscientemente boa parte dos leitores tende a romantizar a “conquista do Oeste” como uma batalha justa pela imposição da civilização à barbárie dos povos nativos, quando na verdade, tal como fizeram também espanhóis e portugueses, foi um processo cruel de imposição e genocídio que apagou os rastros dos americanos originais. É bom botar os pingos nos iis.
Por outro lado, há o reconhecimento do muito que a cultura e o gênio empreendedor americano legou ao resto do mundo. O simples fato de estar produzindo esse texto em software próprio para tal ou recorrer ao google para checar determinada informação, atesta isso.
Na narrativa sobre a independência, há o curioso fato sobre a discussão do animal símbolo da nação que nascia. Enquanto alguns defendiam a poderosa águia, que foi a opção vencedora, outros, evocando a tradição colonial que permanece com o “thanksgiving”, defendiam o peru. Talvez a opção correta fosse um híbrido mutante que personificasse uma nação única, diferente, repleta de contrastes e que gera tanto fascínio quanto repulsa.