Dan 04/01/2022
"Você pode dizer a si mesma que está disposta a perder tudo o que tem a fim de conseguir algo que deseja. Mas é uma armadilha: tudo o que você está disposta a perder é o que a torna reconhecível. Se você as perder, perde a si mesma"
Estou abismada com a capacidade que essa mulher tem de escrever, sério, já li quatro livros dela e todos eram muito bons. Uma coisa que me agrada nos livros dela, é que por mais longos que sejam eles geralmente fluem bem, o que foi exatamente o caso desse aqui. Demorei um tempo para terminar porque ler está sendo um fardo para mim, inclusive antes de começar esse livro cheguei até considerar a possibilidade de deixar o hábito da leitura para trás. Felizmente não fiz isso, porque senão teria perdido uma trama incrível que foi A menina de vidro.
A menina de vidro aborda um tema muito pouco usual, como já deixa evidente no titulo, ele aborda a doença conhecida popularmente como ossos de vidro ou em termos técnicos como osteogêneses imperfeita. Ao longo da trama, ele nos leva a conhecer uma menininha que sofre dessa doença, cuja família está praticamente falida, pois né, a cada ida ao medico é milhares de dólares e só um dos pais trabalham. Enfim, devido às montanhas de dividas e a falta de perspectiva de um futuro melhor para a Willow, eles acabam aceitando a proposta que uns advogados sugeriram, de processar por nascimento indevido a obstetra que não informou sobre a "OI" a tempo de realizar um aborto. O problema é que a obstetra é nada mais, nada menos do que a melhor amiga.
Narrado em primeira pessoa, o livro vai nos inserindo tanto na vida do querelante do processo, quanto na da ré em capítulos alternados. Cada um desses capítulos nos levam a entender o que um processo desse porte pode significar coisas diferentes para cada um. Para uma mãe pode significar um futuro melhor para a filha. Para uma irmã já negligenciada, pode apenas significar mais negligência e exclusão. Para um pai pode significar a quebra de confiança da filha com ele. Para Willow pode significar que eles nunca a quiseram. E para a Piper, obviamente, uma punhalada nas costas.
Durante os capítulos, víamos como eram os cuidados que tinham que ter com a Willow, como qualquer coisa poderia ocasionar uma fratura, mas víamos também uma garota inteligentíssima, que apesar de ser bem novinha era alguém incrivelmente resiliente. Além disso, víamos como essa doença pode afetar não só quem a possui, mas também uma família inteira.
Um exemplo de como isso afetou a família foi mostrado na negligência da família com a filha mais velha, o ódio que a filha mais velha começou a sentir de si pelo simples fato de que ela achava que não tinha o direito de reclamar de certas coisas tendo tudo o que a irmã não poderia ter,. Além do ódio a si, a primogênita acabou desenvolvendo hábitos prejudiciais físicos por se sentir menos importante. O pai tinha que trabalhar em dobro para suprir toda a demanda que alguém com essa condição precisa, assomando-se a o fato de que só ele trabalhava e que o seguro de saúde não cobria todos os gastos, então ele estava só o pó. A mãe precisando abrir mão do trabalho para se dedicar a cuidar da filha. E obviamente a Willow passando a vida sem poder fazer as mesmas coisas que ela via a irmã fazer.
Falando nisso, nunca senti tanta aflição e raiva por ter que ler a Charlotte esfaqueando a melhor amiga, claro que quando analisar, até dá para entender o porquê, as naquelas. Se ela queria dinheiro para o futuro dela, ela poderia aproveitar que a Willow já estava crescidinha e já ia para a creche, e nesse meio tempo começar a vender doce, o que teria dado certo, já que em um dado momento a gente vê que ela conseguiu uma parceria sem ao menos sair de casa.
Como se não bastasse, ela mal dava atenção para a filha primogênita, é compreensível não dar tanta atenção por motivos óbvios, porém ela quase parecia indiferente a Amelia e só soube o que ela fazia a si mesma porque a Piper informou eles. Nas horas em que a Amelia falava, eu fiquei péssima, ela só queria não ser esquecida de vez em quando.
No entanto, sou obrigada (a contra gosto) a admitir que ela foi uma super mãe para Willow e que estava disposta a fazer de tudo inclusive a largar a carreira promissora que ela tinha como chef confeiteira, e apesar dos pesares, também fora uma boa mãe para Amelia ( miliduques atrás). Já Sean, era um bom pai, se matava de trabalhar, e para mim foi o que mais se importou com a Amelia, e apesar de passar um pouco de nervoso simpatizei com ele, gostei mais ainda quando ele foi para o lado do "inimigo". E teria gostado mais se ele não tivesse voltado. Piper, foi uma personagens que mais me afeiçoei, foi foda ver como ela lidou com a facada que a melhor amiga deu nela, como ela não conseguia mais trabalhar com medicina e como ela teve que se refugiar nas reformas de casa. Amelia e Willow definitivamente foram as personagens que mais gostei, gostei de como a Amelia apesar de parecer alguém indiferente ainda sim era uma garota extremamente sensível. E Willow apesar de ter somente um capitulo sobre, foi a personagem mais cativante.
Falando dos personagens secundários, achei bacana a autora introduzir uma história como a que ela colocou para representar Marin, foi bem impactante e contrastou bem com o plot principal.
Enfim, analisando tudo, todo mundo cometeu erros - menos Amelia e Willow - mas para mim nenhum deles foi capaz de demonstrar tamanha frieza como a Charlotte, numa semana tava fazendo compras com a amiga, em outra estava lhe intimando. Depois de ler umas resenhas, eu até consegui entender mais ela, porém está tudo bem acabar com a vida de alguém indo ao litígio por não ter “dito” na hora certa algo (mesmo que se tivesse dito a tempo, ela não fosse aceitar) desde que isso fosse beneficiar financeiramente a filha?
Concluindo, o livro além de nos trazer tramas fascinantes, nos traz mensagens e questões válidas sobre processo de nascimento indevido, e principalmente sobre a decisão de determinar que ”uma vida é limitada demais para ser vivida” e que ao abrir este tipo de processo, abre margem para crianças com deficiência se sentirem inferiores e acreditarem que não podem ter uma vida completa e tudo mais. Pena que a autora ao dar esse veredicto ofuscou os contrapontos super válidos que ela colocou, né.
Agora falando das minúcias do livro, me senti em um tribunal e ao mesmo tempo em um hospital pelo jeito em que fora escrito, e apesar de não entender metades dos termos que ela usava, é inegável o fato de que a Jodi fez um bom trabalho de pesquisa, e não contente ela foi lá e colocou receitas, cujas receitas contrastava com o momento do livro. Além disso, foi bem escrito, os personagens bem construídos e bem condizente com a realidade. Gostei da forma como foi narrada, como se fosse um memorando para Willow. E obviamente gostei do final, por motivos de que eu me ligo mais com finais deprimentes do que felizes e irreais.
Gatilhos : Auto-mutilação, tentativa de suicídio e bulimia
Para este livro fantástico e com fim trágico, eu dou 4,5 estrelas.