erbook 14/04/2020
A cegueira perante a sociedade de consumo
José Saramago, consagrado escritor português, vencedor do prêmio Nobel, sempre traz temas importantes em suas obras literárias, especialmente sobre a condição humana, suas complexidades e incoerências inatas.
O estilo literário de Saramago é diferente, com parágrafos longos, sem travessões e poucos pontos finais. O diálogo entre os personagens é separado apenas por vírgulas, seguido de letra maiúscula, deixando a leitura mais fluida. No início é confuso para o leitor não acostumado com o escritor, mas logo nos acostumamos com o ritmo da história e ingressamos nas mentes dos personagens incrivelmente criados por Saramago.
Em “A Caverna”, Saramago faz alusão ao mito criado por Platão, na Grécia Antiga, no qual pessoas presas numa caverna apenas conseguem ver as sombras na parede daqueles que estão do lado de fora e acreditam que a realidade consiste nessas sombras, pois só conseguem enxergá-las.
Na ficção de Saramago, há crítica satírica e mordaz acerca do mercado econômico liberal, que faz com que as pessoas creiam cegamente nas supostas regras infalíveis e adotem esse modelo de consumo exacerbado em todas as perspectivas da vida. Sem perceber, as pessoas se tornam, ao mesmo tempo, consumidores e objeto de consumo do amplo mercado, integrando a engrenagem da grande sociedade de consumo.
No enredo de “A Caverna”, há poucos personagens, que bem representam o mercado e, de certa forma, os prisioneiros da caverna de Platão, que cegos perante a força da sociedade de consumo, não enxergam outra realidade. Na estória, Cipriano Algor é oleiro e produz louça de barro, juntamente com sua filha Marta, para o Centro (que pode ser visto como um personagem inanimado).
Marta é casada com Marçal Gacho, que é guarda do Centro. Em certo momento, o Centro para de comprar os produtos de Cipriano, pois os consumidores estão dando preferência a louças de plástico, que são mais leves e duráveis. Com o intuito de sobreviver, ante essa intempérie, Cipriano e a filha resolvem produzir bonecos de barro para vender ao Centro. Um fato interessante é que Cipriano encontra um cão perdido na casa do seu antigo cachorro falecido, a quem dá o nome de Achado, um personagem com “sentimentos” muito humanos e que dá alegria ao ambiente familiar. Há outros personagens importantes e situações inusitadas, que instigam o leitor refletir sobre a atual sociedade de consumo.
Recomendo a leitura!