Jemilly 31/08/2020
que a Ordem os guie
"Tudo que é preciso para o triunfo do mal é que as pessoas de bem nada façam."
Antes de tudo, preciso começar essa resenha falando de algo que eu pouco pontuo quando falo dos livros, mas aqui me surpreendeu positivamente e merece destaque: a sua narração. Apesar de estar em terceira pessoa, acabou me envolvendo de uma forma muito intensa, como um próprio personagem em que eu poderia me apegar. Sabem aqueles livros que enchem sua mente com imagens vívidas dos acontecimentos? Maratenebrae com certeza é um desses, principalmente por causa da sua narração.
O começo do livro, não nego, é um pouco mais denso, por ser bastante descritivo, algo normal na literatura medieval em geral pela necessidade da ambientação, por isso acabou demorando mais para me prender na leitura. E também por trazer algo bem diferente, que é o protagonismo de sete personagens distintos entre si. Então pode demorar um pouco para pegar a essência de cada um, e decidir se vai acabar gostando ou não deles (confesso, que a personalidade de um ou de outro são bem difíceis, o que faz ser normal acabar pegando raiva com algumas atitudes).
"É da natureza, seja animal ou humana, devorar-se. No entanto, os primeiros o fazem por alimentos e territórios; os últimos, para expiar a culpa de alguns, ou para realizar os caprichos de outros."
E a demora para se afeiçoar se deve também por Maratenebrae começar por onde muitos livros medievais considerariam o seu clímax: a Guerra. Eu imaginei que acabaria por deixar a leitura bem sem graça. Como torcer se não apresentaram ninguém? Nenhum personagem? Quais seriam os "mocinhos"? (Sabemos que ser bom em livros medievais é bem controverso, já que matar não é necessariamente um defeito).
Mas esse foi um diferencial muito bem pensado para o livro, o protagonismo inicial é para o próprio Reino de Sieghard, que está sob ataque de forças misteriosas e poderosas que vem além do Mar. Os personagens acabam se conhecendo em meio a essa batalha que está sendo perdida e acabam formando um grupo bem diversificado para baterem em retirada.
"Não os julgue por suas convicções, mas sim por suas ações."
Como na maioria dos livros medievais, não poderia faltar as longas viagens e perigos pelo caminho. Aqui, à medida que a viagem avança, não apenas eles vão se conhecendo entre si, mas cada um nos é apresentado.
O misterioso Victor, que tem uma essência meio assustadora para os companheiros, além de não ser possível saber direito do que ele é capaz e o quanto ele pode ser perigoso. (Ou seja ele é um dos meus personagens favoritos! rs Apesar do início de poucas palavras).
Rodrick, outro personagem que gostei bastante, principalmente por ser o arqueiro do livro (eu tenho um certo fascínio por personagens literários que são arqueiros, rs), mesmo com um destaque não tão grande, ele é um ótimo personagem e está sempre pronto para ajudar.
O pastor de ovelhas, Petrus, é daquele tipo de personagem simples, de alma gentil e medroso. É alguém que a princípio não aparenta ser um grande ganho para o grupo, mas desde o começo passa algo bem especial.
O guerreiro gigante e bruto, Braun, é daqueles que você começa não gostando, mas tem algo nele que não te faz o odiar, além de aparentar ter raiva de tudo e ser bem impulsivo nas suas ações, que chega a ter um toque mais de humor. Tem o dom dos xingamentos, rs.
Chikára é a única mulher do grupo e é a que mais tem conhecimento sobre as artes ocultas, tem sabedoria sobre muitas coisas, e se sente superior por isso. (Sim, tenho alguns problemas com ela, nada grave).
O lorde Heimerich é o nobre do grupo, ele tem um bom destaque, apesar do nariz empinado não é de todo ruim. Na verdade ele representa bem esse sentimento de dever e superioridade da nobreza para com os outros.
Formiga é o ferreiro que tem sérios problemas com seu vício em comer demais, mas ele dá certo humor e leveza para o livro, apesar de vários acontecimentos, a simplicidade dele entre o grupo só não é maior que a de Petrus. Em termos de desenvolvimento ele é um dos que mais se destaca pelo crescimento do personagem.
O mais interessante é que cada um deles representa um dos sete pecados capitais, e achei uma jogada genial dos autores, nas personalidades de alguns é bem mais perceptível o que representa, mas outros não notei com tanta facilidade.
E o que no início ficou com a confusão de não conhecer bem os personagens no decorrer do livro fica cada vez mais impossível não ver a importância de cada um de um jeito diferente.
"A lógica é ótima para se argumentar, mas péssima para se viver nela, dizem os sábios."
Eu gostei muito da leitura, principalmente do meio para o final, onde conseguimos ver o lado mais fantástico desse universo, com seres desconhecidos, como os lagartos alados, e uma magia bem mais acentuada que no início. Começamos a descobrir os mistérios dessa terra e o motivo da invasão.
"Acha mesmo que tudo isso é coincidência? Normalidade? Fenômenos comuns? Tome cuidado com o que diz, pois em breve poderá estar lutando com forças cuja origem desconhece. E sucumbirá acreditando, até seu último suspiro de vida, que tem alguma chance."
A construção desse universo, aliás, é mais um ponto bem positivo. As questões culturais são muito bem descritas e incrivelmente expressivas. O que é ainda mais perceptível por cada um dos personagens principais ser de pontos diferentes do reino. São costumes e mitologias que se complementam muito bem, e ganham importância conforme o enredo vai se desenvolvendo.
Novos acontecimentos me deixaram angustiada por saber que teria coisas demais para acontecer e poucas páginas restantes, e, por isso, é claro que o final me deixou bastante ansiosa para o que vem no segundo livro, O Flagelo de Dernessus.
"Você não deixaria de atacar o homem que fere seu pai, ainda que ele fosse seu irmão, deixaria?"
Não posso esquecer de falar sobre a edição do livro. As artes de cada começo dos capítulos e os mapas do reino são um atrativo a parte. E no final do livro tem as partituras das músicas que foram cantadas no decorrer da história! O que só aumenta o meu encantamento pela obra. Achei de um cuidado incrível.
"No dia em que não houver mais dor, nem pranto, nem perda de sangue, já estaremos mortos e não gozaremos das benesses dessa vida. Lamente-se o quanto puder, cavaleiro. É isso que o mantém vivo!"
Então indico muito essa leitura, principalmente para quem já está acostumado com o gênero. Essa foi uma leitura muito feliz para mim, por ser uma literatura fantástica nacional de tão boa qualidade, e por ver que nossos autores não estão perdendo em nada para a literatura estrangeira do mesmo gênero. Então leiam mais autores brasileiros, seja qual for o estilo literário. Boa leitura e que a Ordem os guie.
"Quereis viver para sempre? Então cumprir uma última ordem: Se eu avançar, segui-me! Se eu cair, vingai-me! Se eu recuar, matai-me! Pela Ordem e pela glória de Sieghard!"