belarules 05/05/2024Releitura, novas impressões (gentis).Essa é uma releitura que eu fiz porque queria relembrar da história e também queria explorar mais cuidadosamente alguns elementos da narrativa que, na época que li, não dei muita atenção (estávamos na pandemia e eu estava lendo demais). Tendo algumas similaridades com os problemas com os quais a personagem principal lida, eu nunca tinha entendido bem o por quê desse livro não me impactar tanto assim no que diz respeito a essas questões. As pessoas ficavam super preocupadas com essa leitura mas eu não conseguia processá-la de forma tão emocional. Percebi, lendo dessa vez, que é provavelmente porque esse livro fala de um ponto de vista muito americano e branco, o que eu não tenho muita chance de entender ou compartilhar do exato mesmo sentimento. Isso, para mim, não é um problema com a narrativa de forma alguma, assim como alguns posicionamentos da Camille sobre mulheres e outros não são. Da mesma forma que ela é americana e branca e essa é sua experiência, ela é uma personagem moralmente questionável, e esse livro é escrito em primeira pessoa, então o mundo é narrado exclusivamente a partir das lentes de alguém que está uma bagunça no momento, que foi criada em um ambiente completamente envenenado e se tornou alguém muito machucada. Apesar de algumas pontas soltas, acho que a história conta o que veio para contar e para mim, nunca foi sobre os casos e sim sobre a Camille e sua jornada, tudo é sobre ela, então eu perdoo as coisas que não soubemos. É claro que isso às vezes nos deixa desamparados quando diz respeito ao que aconteceu mesmo, não há um desfecho com muitas pessoas e situações e enfim, essa história é como um retrato conturbado que não se sabe bem onde foram parar as pessoas que aparecem, mas sabe-se que ele aconteceu e já passou (o melhor retrato disso na história é o babaca do Richard, que aparece e parece ser meio-que-relevante mas não é de verdade, é só um pequeno elemento na narrativa da Camille e o sumiço dele acaba se tornando tão insignificante quanto ele). A gente não faz ideia se a Camille se recuperou, se mudou de ideia sobre algumas coisas, se publicou a matéria, se Wind Gap se recuperou... Mas sabemos alguns detalhes que o retrato nos dá, e pra mim, valeu a pena para Gillian Flynn ter contado essa história. Eu não usaria a palavra corrido para o fim do livro e sim "turvo", é como se Camille estivesse meio entorpecida depois de tudo que aconteceu, processando tudo da maneira que pode e com as forças que tem. Como se víssemos várias cenas passando em uma TV e não pudéssemos nos mover, só assistir. Pode ser uma fraqueza de escrita, uma coisa tão simples quanto "o cansaço bateu na escritora e ela correu com a história", mas também pode ser uma estratégia. De novo, é muito importante notar que o livro é escrito em primeira pessoa. Camille é a única narradora que temos para a história do que aconteceu em Wind Gap, e essa narradora está exausta.
Enfim, é muito surpreendente como romance de estreia e espero que ela tenha avançado em mais coisas na sua escrita, mas por agora, fico feliz que essa história tenha sido contada.