DIRCE 13/07/2015
NOCAUTEOU A MINHA ALMA.
Este é outro livro que chegou às minhas mãos graças a delicadeza da Paulinha, sendo assim, joguei-me à leitura avidamente, ainda que até então, Patrick Modiano me fosse um ilustre desconhecido. Mas... o que é isso? Um compêndio matemático? Números, números e mais números. Achei por bem interromper a leitura até obter alguns dados do escritor. Encontrei uma entrevista na qual Modiano diz que o acaso fez com que ele se deparasse com um anuncio do desaparecimento de uma adolescente de 15 anos (Dora Bruder) no dia 31 de Dezembro de 1941, no jornal Paris-Soir, fato que muito o sensibilizou por se tratar de uma data tão significativa ( confesso que fiquei com uma pulguinha atrás da orelha – 31 de Dezembro é significativo para os judeus? Entretanto, como foi uma entrevista traduzida...Como saber?) e que se deixou levar pelo impulso de investigar o passado da adolescente. Encontrei também uma frase do seu discurso, ao receber o Nobel de Literatura de 2014, que chamou minha atenção: "Um escritor é marcado de forma indelével por sua data de nascimento e por seu tempo ainda que não tenha participado diretamente da ação política, mesmo que dê a impressão de ser um solitário retirado em sua 'torre de marfim” (...)” .
Envergonhada da minha ignorância acerca do Modiano e convencida de que a leitura não iria me desapontar, a ela retornei.
Sim: Dora Bruder era real, e aqueles numerais, que tanto me incomodaram, são anotações do trabalho meticuloso de um detetive, melhor dizendo, de um escritor que não esmoreceu diante da dificuldade na obtenção de informações para elaboração da sua obra não se importando em dedicar anos a essa pesquisa – oito anos.
“Dora Bruder” poderia ser resumido como a história da descoberta de uma personagem judia real e os percalços do escritor na tentativa de reconstruir essa história, mas eu não estaria fazendo justiça, uma vez que, sorrateiramente, fui conduzida aos subúrbios de Paris, no início da década de 40, ocasião em que as tropas de Hitller haviam ocupado a França, e foi me dado saber que se o alemães eram lobos ferozes, a policia francesa era lobo disfarçada em pele de cordeiro, pois a sua atitude colaborativa “apagou” o brilho de “estrelas” inocentes. Por falar em estrelas, encontrei no romance relatos sobre a Estrela amarela e a obrigatoriedade do seu uso, e sobre a existência das “ amigas dos judeus”-denominação dada pelos alemães a uma dúzia de francesas “arianas” que não titubearam em ostentar a Estrela amarela de forma insolente em sinal de solidariedade aos judeus-, solidariedade que lhes custou muito caro, talvez suas vidas, pois foram deportadas para o campo de Drancy.
No final da leitura, entendi o porquê das palavras de Modiano ao receber o premio Nobel. Ele nasceu no dia 30 de julho de 1945, portanto viveu em um período pós-guerra, entretanto o seu comprometimento com a História é notório. Ao buscar conhecer o destino da Dora Bruder, Modiano descobre anotações que mostram o fim trágico de outras Doras, e, apesar dos muitos talvez e questionamentos existentes no romance ( não sei se posso chamar esse livro de romance), a narrativa de Modiano é extremamente responsável, contundente e sensível e acabou por nocautear a minha alma.Gostaria de falar mais sobre Patrick Modiano, uma vez que ele me impressionou quase ( quase) tanto como Camus, mas iria me estender muito, portanto, encerro esse meu comentário justificando as 4 estrelas: a dificuldade inicial, mesmo sendo ela minha culpa, minha máxima culpa, e agradecendo mais uma vez a Paulinha por ter iluminado meu parco conhecimento.